Algumas pessoas não possuem a ambição de viver muito. Elas são criticadas por isso. A expectativa de vida cresceu bastante nos últimos anos. Mas e a qualidade, basta? A dúvida repousa na mente como um boing em chamas entre montanhas localizadas no remoto do mundo.
Dias atrás, numa mesa de bar, onde coisas interessantes acontecem, uma amiga metida a "ciganices" estava lendo as mãos dos meus companheiros de cerveja. Ao som de um rock pré-histórico, ela ia desvelando cada qual com uma elegância e uma sinceridade extrema. Quando chegou a minha vez, pedi um tempo para tragar um cigarro.
No meu momento solitário com a fumaça, do lado de fora do pub, fiquei observando três meninas. Pela tez, deviam ter entre 16 e 17 anos. Não se vestiam como patricinhas, faziam mais o tipo "mulheres-antenadas-cult", com os braços expostos, revelando minúsculas tatuagens, provavelmente nunca apresentadas aos seus pais.
Na minha terceira baforada de cigarro, uma delas me pediu o isqueiro emprestado. Ela acendeu o Free Azul Claro de uma maneira toda errada. Uma cena tosca misturada com falta de habilidade. Perguntei: - Fuma desde quando? - Só quando saio - respondeu. - E você sai com frequência? - Até que sim - falou a guria. Não contente com o nosso diálogo, resolvi comentar:
- Por que fuma? Percebe-se que você não tem intimidade nenhuma com o cigarro. - É que não quero viver muito - me disse, tragando horrorosamente e olhando diretamente nos meus olhos. Peguei meu isqueiro de volta, sorri e me despedi.
Pensativo, segui em direção à mesa do bar, que virara uma mesa cigana de leituras de mãos. Minha amiga, que gosta muito de beber, estava mais concentrada em desvendar os detalhes da vida dos outros. Seu copo ainda estava cheio. Assim, pensei: - Bom, ela me lerá sem a inspiração alcoólica. Isso não vai ser legal.
Chegou a minha vez. Estendi a palma direta. Ela a analisou com precisão cirúrgica e já me lascou dizendo que eu viverei muito, que a minha linha da vida era extensa, que praticamente ia até o punho. - Que bosta! - esbravejei. Dizem que se você quer saber quanto tempo viverá é só comparar com a idade de falecimento do seu avô paterno. Não lembro quando ouvi essa besteira. O fato é que meu vovozinho passou das 90 primaveras. Não quero isso não. Tempo, senhor de tudo, me erre essa previsão, por favor.
Após a afirmativa, fomos para a parte que me interessava, a tal da linha do amor. Sem cerimônias, ela me disse na cara dura, aos risos: - Léo, sua linha do amor é uma merda! Prontamente, respondi: - Ah guria, não me diga? Ao lê-la, ela frisou que eu teria cinco relacionamentos sérios. Um deles, inclusive, seria terminado e depois reatado. Mas acabaria de novo. Enquanto ela falava isso, fui repassando como num flashback os meus namoros. Não foi um exercício muito bom para o momento, pois já havia bebido uns seis copos de cerveja e, como sou fraco, sou um bêbado nissin-miojo.
Procurei não gastar energia mental com isso, afinal, sou virginiano e consigo lembrar de todos os detalhes, inclusive, os dias e os horários dos primeiros beijos com esses amores. Respirei fundo, virei a cerveja que ficara quente e interrompi: - Não quero cinco relacionamentos, quero que pare no terceiro e que seja para a vida inteira. - Não é assim que as coisas funcionam - respondeu a amiga-cigana.
Praticamente aos prantos, o pior ainda estava por vir com relação à maldita linha do amor. Não lembro a explicação da aspirante a quiróloga, mas na minha mão direita tem uma espécie de buraco. É um negócio minúsculo, nunca tinha reparado. Além disso, é repleta de interrupções, ou seja, não é uma linha contínua, linda e aberta como uma autoestrada que te leva ao céu. Ao saber o que isso significa, pedi mais uma garrafa. Pesquisei mais a respeito na internet. Vou por na íntegra: "Pessoas que têm a linha do amor com muitas interrupções podem ter sido traídas durante um relacionamento duradouro. Culpam muito os ex-parceiros e têm mania de perseguição". Tirando a última parte, puxa vida, é tudo verdade. Fiquei preocupado. Tipo, muito pre-o-cu-pa-do!
A leitura da mão terminou e eu continuei a secar mais uns copos. E uns corpos também. Porém, eu estava arrasado. Não de uma maneira ruim, pois recebi aquelas informações como verdades. É engraçado isso, pois tudo o que não conseguimos responder ou ter certeza, nós apelamos para o misticismo ou religião. Por isso que acreditamos em Deus, deuses, pé de coelho, Iansã, etc.
De toda forma, continuo com a ideia de que não quero viver por muito tempo, como a menina que acendeu o cigarro sem intimidade. Aliás, já com a álcool dando as diretrizes do momento, minha amiga, no final da noite, estava lendo justamente a mão da guria que se dizia fumante. Ela também ficou chocada, pois soube que a linha da vida dela era praticamente eterna. De repente agora a menina aprenda a fumar de fato. - Vá de Camel - gritei.