O seu lado do guarda-roupa ainda está vazio. Encaro a porta todos os
dias, ao acordar. O sentimento? Não sei explicar. A intenção de deixá-lo assim,
menos ainda. Minhas coisas continuam atoladas nos espaços que me foram cabidos
e designados. Tudo meio embolado, conforme a vida nesse momento. Mesmo assim,
sei onde estão todos os objetos e roupas. Ou seja, há uma organização no caos.
Aqueles bilhetinhos de amor outrora colados no móvel não se encontram
mais. Confesso que foram rasgados. Arrependo-me de tal ato. Tinham mensagens
ali que eram lindas: escritas em momentos de sinceridade original. Talvez o
imediatismo de apagar as memórias me levou a covardemente tomar a atitude do
desapego. Porém, me pego a cada duas horas a relembrar aquelas frases que
jorravam amor.
Estou dormindo do outro lado da cama que, aliás, não é a mesma. Tive
que me desfazer da antiga, pois não conseguia mais repousar nela. Sentia uma
angústia terrível ao me deitar e perceber que você não estava ao meu lado, roçando
suas pernas às minhas, reclamando do meu hálito, implorando por uma conchinha
ou roubando o meu edredom. Sinto saudades horríveis dessas vivências.
Na parede, as poesias do Cummings e do Drummond foram apagadas. No
lugar, fiz um mosaico com os quadrinhos que adornam os postais e os pôsteres
que compramos em Montevidéu. Recentemente, abri uma sacola onde guardamos
lembranças da capital do Uruguai. Cheguei até a sentir o cheio do bairro de
Pocitos e recordei cada detalhe da longa caminhada que fizemos pela orla do
local. Parecia que estávamos dentro de um livro do Ricardo Piglia. O sol
brilhava esplendoroso naquele dia, refletindo grandiosamente no rio (que parece
mar), justificando o seu nome, Del Plata. Foram horas de paz incríveis, com
observações sobre a vida, o futuro, o momento, as pessoas e as paisagens.
Talvez seja a consumação de convívio mais marcante que sobrevivi contigo. Ao
escrever isso, molhei o teclado do meu notebook.
Eu só queria dizer que aquela canção do Wado ainda faz sentido.
Entretanto, a dor não passou. E eu continuo não gostando da Katy Perry, apesar
de que quando ouço Fireworks, recordo do seu jeito bobo de dançar.
Dias atrás, acordei de um sonho desesperado. Você fugia de mim e
corria ao redor de um grande cubo, o qual não lembro a cor. Quando eu consegui
te alcançar, misteriosamente, uma placa apareceu em suas mãos com os dizeres:
eu te amo. Abri os olhos, marejados. Levantei, fui à cozinha, bebi água com
açúcar, tomei um tranquilizante e tentei voltar ao sonho. Mas não te encontrei.
Como é estranho em situações assim sermos desnudos com os nossos
sentimentos. Uma clareza dos erros e dos acertos é límpida como água mineral.
Quando observamos de longe temos mais visão para analisar os acontecimentos. A
imaginação flui atônita. Fico desenhando em pensamentos como você está, se
sente saudades, se abre sorrisos quando relembra momentos ou se gostaria de me
rever um dia. Enquanto isso, sem razão para isso, seu lado do guarda-roupa
continua vazio. Nem sei por que escrevo o seu lado, pois na prática, o lado
agora é só meu. Na teoria, não. E o amor é prática e teoria, é direito e é
esquerdo: carne e unha, alma gêmea... as metades da laranja. O amor é isso, é
Fábio Júnior, é breguice e é escárnio. É caos.