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O disco



Sábado. O horário de verão não existe mais, mas Clarice revive memórias quentes de um retorno que não aconteceu.

Em frente ao espelho do banheiro, ela ia dizendo adeus a certas viagens cerebrais. Apesar de estar chapada, arrancava a sobrancelha delicadamente. Não sentia aquela dorzinha. Acabara de voltar de mais uma noite vadia, daquelas que você esperava alguma surpresa, mas nenhum malandro tentara algo mais afoito. Todos eram gays. Se bem que ela perdera a virgindade com um.
Continuou a sua operação em frente ao espelho, com a pele toda vermelha e os pelinhos da sobrancelha espalhados pela pia de mármore branco. Se sentia como uma personagem do Chico Buarque.
A chuva trazia um alívio por causa do mormaço, do cerebral e da estação. Após 15 minutos seguiu até o som 3 em 1 e puxou um LP do Allman Brothers. Desistiu. Recordou-se que Matias, seu ex, que gostava muito da banda. Jogou o disco pela janela.

Feliz de Cristiano, que fora acertado pelo álbum, que tinha sido jogado do primeiro andar de um prédio da Guarani. Clarice escutara apenas um "ai" do lado de fora. Fora até a sacada e desesperada, com a chapação já perdida, pedira gritando: DESCULPAS!
Cristiano, com um arranhão na testa, olhara para cima, sorrindo:
- Tudo bem moça, você só me acertou com um Allman Brothers, se tivesse sido com um Ramones, aí a coisa estaria da porra!
Os dois riram.
Três meses depois estariam namorando.

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Fim

  É tanto vazio nesse espaço cheio É tanto desamor nesse amor É tanta sofrência nessa alegria É tanta felicidade nessa tristeza É tanto amigo nessa solidão É tanta falsidade nessa realidade É tanta falta nessa plenitude É tanto concreto nesse verde É tanta abstinência nessa bebida É tanto início nesse fim.

Oportuno

Os dias frenéticos me interropem os prazeres. Os pequenos detalhes seguem despercebidos, Nem a velha canção funciona e não emociona. As horas estão lotadas neste pensamento aflito. Eu procuro um grito, mas o perco no vácuo. Faço do coração apenas um pulso de sangue E não vejo que de fato ele quer uma percepção. Eu passo um risco no instante que quero. Preciso de calma mesmo querendo o agito. Fico aos nervos quando necessito de paz. Recorro à memória e me sinto traindo. Nos segundos falecidos eu vejo a derrota E amplio com dicotomia, pois não é a verdade. Trato o acaso como um passado empoeirado E reflito neste pouco que nada está atrasado. Tudo se trata de período contido Que poderá ser resgatado em um dia oportuno.
Rodopie linda com o seu vestido febril. Deixe as flores atingirem o seu rosto. Dancemos ao som de City Pavement. Fotografemos as faces em frias manhãs. Deitemos de novo em um ninho de edredon. Deslize devagar pelo meu pulso acelerado. Respire meu ar. Um café da manhã em Vênus, acordando em Elizabethtown, como se fosse uma lenda. Ao lado do universo, ninguém tira as nossas chances. Temos sempre mais um habana blues, um tango, uma dança suja. Uma nova canção desesperada para apreciarmos. Um eterno registrado. Cada qual. Cada em si. Em mi maior.