Uma outra noite de fé sem sono. A companhia dessa vez é o café, a fumaça e The Editors. A referência joydivisiana ecoa, tanto nas linhas de guitarra como no vocal quase chorado. Ela pouco conhece a banda, apenas sabe que lhe faz bem. A canção que mais entoa no ouvido é Lights. Apesar do título, quase nada a ilumina. Somente a luz do poste e a brasa do cigarro.
A noite não foi de trabalho. Resolveu tirar folga de si mesma. Deitou em seu sofá, ligou o som e se deixou transportar pelo calor/frio das músicas. Acabara de baixar a bolachinha The Black Room, um título bem apropriado para o momento pelo qual estava passando. Acendeu uma bituca e viajou. O barulho infernal dos carros na rua não mais a incomodava. O fone de ouvido era muito bom. Importado. Gentileza de seu vizinho contrabandista.
Quando iniciou os primeiros acordes de Camera, ela se transportou imediatamente à infância. Se imaginou sendo balançada pelo seu pai, depois brincando com seu meio-irmão e logo após levando uma bronca de sua mãe. Chorou. Bebeu um gole de café e tragou suavemente. A canção continuou e outras lembranças acertaram o tímpano. Não teve como não recordar do Echo and The Bunnymen, sobretudo daquele show em São Paulo, quando ainda era adolescente.
A noite que era para ser de tranquilidade acabou remetendo ao saudosismo que escondia em um fundo bem fechado do cérebro. Alguns costumam chamar esse lugar de sub-consciente.
Mas o momento apoteótico chegou ao ouvir Bullets. Não teve dúvida, nem tempo. A adolescência era vivida de novo em linhas de pensamentos despedaçados. Fechou os olhos. Viu o primeiro beijo. A primeira transa. O segundo amor. O primeiro não tinha sido tão bom. Gozou no lençol. Derramou café. Esqueceu o cigarro. Olhou para a vela acesa no criado-mudo. Sonhou acordada. Finalmente conseguiu relaxar. E a fé do sono chegou. Rezou e dormiu. Tranquila. E gozada.