No atraso das horas eu perco a consciência na alta madrugada que absorve. A fumaça do cigarro encobre a face suja que eu deixei em seu lençol. Antes de partir, escrevi em um guardanapo os lamentos que eu sempre sofri, sempre guardei, sempre vivi. Espero que leia até o fim. Não tenha tanta certeza quanto ao meu retorno, um pouco de suborno talvez ajude, mas a certeza nunca foi uma grande virtude do meu ser. A única certeza que eu tenho é o incerto que eu sou. Se você é mais sentimental do que eu, isso eu sei. Porém, minhas lágrimas são mais sofridas. Não tive coragem de pôr a sua casa em minha sacola e nem te levei para ver o mar. Ainda estou na fila do pão lendo jornal e tragando um cigarro. Eu sei o que é ter e perder alguém. Tanta dor eu senti e o outro alguém é meu conhecido. Eu também pequei pela vontade, mas o amor de verdade evaporou com o chá quente que você não tomou. Sair de casa é se aventurar, já que maldizeres você me causa. Não quero ficar nesse sofá. Todo carnaval tem o seu fim e a minha quarta-feira de cinzas nunca acaba. Todas continuam em um cinzeiro que conservo como relíquia. Eu deixo tudo assim mesmo, não me acanho em ver. Eu gosto do estrago. E nem se atreva a me dizer, eu não entendo do samba e você muito menos do Noel Rosa. Você deve achar que é uma grife brasileira instalada em Londres. Eu não vou mudar, eu vou ficar só. Não segure a minha mão e veja só como tudo se acabou. O barraco desabou. Tudo está assim.