Pular para o conteúdo principal

Postagens

Querido Chico,

Somente hoje ouvi com atenção "Almanaque", disco que você lançou no ano do meu nascimento. Não tinha conhecimento do trabalho que foi gravá-lo, da batalha que enfrentou entre duas gravadoras e da linda história da canção "Angélica". Incrível como continuo aprendendo ao ouvir suas músicas. Tenho até vergonha de dizer que, num primeiro momento, não entendi "A Voz do Dono e o Dono da Voz". Imagino que, nos dias atuais, com as grandes gravadoras decretando falência, deve sublinhar um belo orgulho em seus lábios, devido ao conteúdo e crítica da composição. Em tempos de downloads gratuitos, os mais jovens nunca saberão o que você passou. Apenas gostaria de agradecer por mais esse ensino que o senhor me proporcionou nessa noite. Com amor, Léo
Tenho olhos que atingem O aflito Eles se convergem No grito. Nas paralelas O planalto é um salto Que no infinito Não encontra abrigo. Tenho olhos, que vertigem, No rito Ela se despede No ritmo. Das trocas de favores Que os senadores Pensam Que compreendem.

Poema de Carnaval

  Daqui, te ouço Véu esverdecido. Meu corpo, entorpecido Deseja repousar Em seu manto. Mas agora, apenas escuto E transmito em comunhão Uma paixão Que me consome Em doses moderadas O meu coração. Meus olhos, eu fecho E imagino nua A sua carícia Mesmo não virgem De uma pureza Esplendorosa. Carinhosa, como és Tão límpida, sua tez Não te quero no talvez.
 Truques ambíguos De ordinária beleza revelada No coração mais perfeito De uma alma torturada. Falsa condição projetada Nos dizeres mais concretos Nos sorrisos mais discretos Mas foram nos olhos Que explícitos revelaram A condição incorreta. Nuvem de pólvora Em um quarto amarelo Repleto de angústia. Um dia, quem sabe, Encontrem as verdades.
  Hoje lembrei, ao acordar, de escrever uma carta. Coloquei a água para ferver e preparei o meu café. Lembrei das noites mal dormidas, dos dias sofridos. Dos cigarros derrubados no chão, do cinzeiro transbordando. O sol perfurou a janela e o raio entrou sem pedir licença. Não sou observador, confesso, muito menos sentimental, Mas a cena me pareceu um sinal. Lembrei você. Iniciei os agradecimentos, os olás, o tudo bem. A fumaça do café se misturava com a do cigarro. Contei um pouco da rotina que ainda acabará me matando, Dos estranhos que acabo entregando intimidades, Da moça da panificadora, do chuveiro estragado, Ainda tenho que arrumá-lo. Tenho preguiça. E do roteiro que ainda insisto em não terminar. Percebi que faz um ano. Como foi estranho. O seu perfume adocicado já não mais está presente, Seus discos de new wave eu já doei, O anel, penhorei. Não quero apavorar a sua paciência No entanto, ainda recebo as suas revistas femininas. Se possível, cancele a assinatura. Se não me qu...

iPod

  Uma canção de beijos desesperados rola no iPod. Meia luz escura no apartamento. Ela, deitada no sofá, olha a foto mais feliz: lábios em contato acompanhando a canção. A água ameaça pingar pela torneira da cozinha, mas o que desliza é a mão pelo rosto. O cantor da música dá razão aos sentimentos da moça. O tom aumenta e um falsete desesperado rasga o tímpano sofrido. O olho não segura e permite um deslize. A lágrima encontra a almofada, que já está molhada desde o verão passado. A sequência de acordes termina e ela volta ao zero, coloca no repeat e se deixa envolver pela atmosfera subversivamente caótica da canção. Levanta-se como quem quisesse se deitar novamente, lança um olhar de desprezo na foto e grita ao primeiro corte. A canção está tocando pela terceira vez. Os joelhos encontram o chão e uma surdez mórbida invade por alguns segundos. Ela sente deliciosamente o que pensou ser uma lâmina. O objeto fica encaixado enquanto o fluído ameaça escorrer. Desliza. Lisa. Desfaz. Delíc...
  _Nada demais em pensamentos outrora. A viagem acabou, o dinheiro também, e o sexo não foi bom. O pessoal se mandou. A sala está bagunçada, o disco está riscado. A faixa que pula é aquela que você não gosta. O disco? Aquele que você detesta. O sol está surgindo. As preces, continuam. O embargo da voz engole a derrota, o choro, o fracasso. Mas o dia vem e apesar do tsunami nessa casa, a esperança enche novamente esse copo de vodca. Nada melhor do que a coragem líquida para embalar a situação. _Um cigarro está aceso, alguém saiu de fino. O fino eu acendo. A viagem retorna, o dinheiro transborda e o sexo volta a ser bom. O pessoal retorna. A sala está cheia, o disco toca normalmente. A faixa é aquela que você gosta. O disco? Aquele do Traveling Wilburys. O sol se despede. As preces, esquecidas. A voz vira grito e a derrota é bebida, o choro, vomitado, e o fracasso, foda-se. O tsunami abençoa os seus quadris, a esperança fica linda nesse copo de vodca. Nada melhor do que prosseguir co...