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... E a noite chegou novamente. A puta começou a se preparar para sair, em busca do dinheiro do aluguel, do vício, da bebida e dos salgadinhos que comprava na mercearia do senhor Augusto. O beijo ainda insistia em permanecer na memória.
Desculpe não apresentá-la antes, mas ela se chamava Fabrícia Albuquerque. Com o passar do tempo, desistiu do nome. Começou a atender pela alcunha de Miss Loveface após ter ganhado um concurso de rainha gay, promovido pela Associação dos Amigos das Marias Madalenas, coordenada pela dona Clara, mãe de um traficante que largou uma boca de fumo para virar palhaço de rua. Mesmo assim, nas horas vagas ele ainda praticava o comércio ilegal dos ilícitos, porém, sem negócio próprio. Isso é outra história. Voltemos à Miss Loveface.
19h34. Marcava o relógio comprado em um camelô. A prostituta colocou no micro sistem um CD gravado por um amigo jornalista que ela acabou conhecendo em uma cobertura jornalística sobre meninas que abandonaram as famílias para se tornarem mulheres da vida. É lógico que a reportagem terminou em um boteco, em companhia de cerveja gelada e cigarros mentolados. A primeira canção do CD-R era “Blackjack Illywhack”, do The Raconteurs, banda formada por Jack White – guitarrista e vocalista do White Stripes – e por Brendan Benson, figurinha carimbada da cena alternativa americana. A puta adorava música. Sobretudo novidades.
A música iniciou e seus olhos brilharam. Pegou o lápis preto e desenhou com gosto os olhos. Passou cuidadosamente o batom, borrifou um perfume e arrotou com uma vontade tamanha um sabor de vodca, seu desjejum preferido. A levada meio jazz inspirou-a. Ela não estava com muita vontade de dar naquela noite, entretanto, a canção empolgou de maneira certeira que ela prometeu a si mesma que iria gozar. Algo que quase nunca acontecia quando atendia algum de seus clientes.
Desceu aos tropeços pelas escadas do prédio em que morava. E o beijo ainda invadia os seus pensamentos mais saudáveis. Ao chegar à rua, uma moça a esperava do outro lado, com um sorriso desconcertante de lábios rachados. Não enxergou o último degrau. Caiu. Um carro passou pela rua e atrapalhou a sua visão. Quando olhou novamente, a garota tinha sumido...

Continua...

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um gole de derrota nesse asco. um casco entre as unhas, colabora. o copo quebrado acumula pó e o nó na garganta é charme. a calma quer explodir em caos para um fundo em furo se enfurecer na poética dissonante de um crescente anoitecer. mencionado antes, agora exposto "o mundo está duas doses abaixo" por mais que às vezes, acima, recria o oposto da colocação. então, não tenha medo hora ou cedo o coração padece e merece um aproveitar que tenha como fim o sorrir. (mas não acontece).

Fim

  É tanto vazio nesse espaço cheio É tanto desamor nesse amor É tanta sofrência nessa alegria É tanta felicidade nessa tristeza É tanto amigo nessa solidão É tanta falsidade nessa realidade É tanta falta nessa plenitude É tanto concreto nesse verde É tanta abstinência nessa bebida É tanto início nesse fim.

Oportuno

Os dias frenéticos me interropem os prazeres. Os pequenos detalhes seguem despercebidos, Nem a velha canção funciona e não emociona. As horas estão lotadas neste pensamento aflito. Eu procuro um grito, mas o perco no vácuo. Faço do coração apenas um pulso de sangue E não vejo que de fato ele quer uma percepção. Eu passo um risco no instante que quero. Preciso de calma mesmo querendo o agito. Fico aos nervos quando necessito de paz. Recorro à memória e me sinto traindo. Nos segundos falecidos eu vejo a derrota E amplio com dicotomia, pois não é a verdade. Trato o acaso como um passado empoeirado E reflito neste pouco que nada está atrasado. Tudo se trata de período contido Que poderá ser resgatado em um dia oportuno.