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Carta ao Starman



Caro David, infelizmente, não estou de Bowie. Saber que você pegou sua nave e partiu para longe, me deixou os olhos suando. A primeira vez que te vi, foi numa das várias incursões cinematográficas as quais viajou. Ao te admirar no filme Labirinto, de 1986, aos cinco anos de idade percebi que ali nascia um messias para mim. Fiquei tão fascinado com a sua presença, que rebolei muito ao som de Underground. Não entendia sequer uma palavra sua, mas o que importava era o ritmo. E isso o senhor tinha de sobra.

Algumas pessoas não vieram ao mundo a passeio. Definitivamente, você está nessa categoria. Aliás, nem sei se era um humano. Eu acho melhor chamá-lo de entidade, de força sobrenatural ou de hipérbole extraterrena. E lá da Blackstar os seus olhos de cores diferentes nos observam, tenho certeza.

Sinto uma pena tremenda de quem nunca ouviu falar do senhor. Sem a sua presença, o universo musical da Terra perdeu muito da sua graça. Vários insistiram em rotulá-lo como o Camaleão do Rock. Tenho que dar palmas ao jornalista Nelson Motta, o qual ponderou que o camaleão se adapta ao meio mudando seus tons de pele. Já você, fazia mais do que isso. Transformava-se de acordo com a época, ditando tendências, tanto sonoras quanto estilísticas. Modificava sua própria forma. Era sim, um mutante alienígena.

Lembro-me quando todo mundo criticava a distribuição de músicas pela internet e, em 1996, você, como um vidente cibernético, inovou e lançou a canção Telling Lies apenas na web. Naquela época, devido à conexão dial-up (os jovens não sabem o que é isso), o download levava mais de 11 minutos para acontecer. Mas acontecia. Hoje todo mundo vive numa pressa desesperada. Nem sequer sabem por que correm demais. É tanto desapego que nem pega bem falar desse assunto nessa carta de amor.

Ao partir, não foi embora uma única entidade, e sim, várias. Não se despediu só o David Robert Jones, que veio ao mundo todo esculpido no estilo mod. Foram também Ziggy Stardust, Major Tom, Liza Jane, Jareth, Thin White Duke e muitos outros. Através deles, o senhor deixou eternizado vários aprendizados. Foi você quem inventou a bissexualidade no meio artístico, quando o Mick Jagger sequer teve culhões de assumir isso. Aí o que você fez? Foi lá e traçou o vocalista do Rolling Stones.

Apesar de Elvis exibir sua pélvis, infelizmente censurada na época, quem inventou o sexo como o conhecemos, também foi você. A Madonna aproveitou e pegou carona nessa onda, aliás. Num período de repressão, sua androginia despertou a discussão da libertação dos gêneros e, sobretudo, do amor. E a calça skinny masculina foi também uma criação sua. Todos os indies de hoje agradecem. Os sertanejos também, pois todos são adeptos dessa iguaria apertada.

Sua última grande assinatura em logradouros Terrenos não podia ter sido lançada em melhor data. O seu aniversário. 08 de janeiro. Agora sim está explicada toda a melancolia e o inédito exagero de canções em primeira pessoa. Em seu adeus, em formato de álbum, você se despediu como o grande artista que foi: moldando a morte num pacote de obra de arte, dando tchau da maneira mais classuda que ninguém ousará copiar, pois tamanha genialidade não é capacidade de qualquer ser humano.

Há 18 meses sua batalha contra a intervenção dos ares do nosso planeta foi perdida. Por isso, entendo, mesmo triste, o seu retorno ao espaço. Você nos avisou a respeito, em sua última mensagem, o clipe da música Lazarus: “olhe para cima, eu estou no céu”.


Ok, David, ficaremos por aqui te visualizando sempre. Esperamos que você também, amado Starman, continue nos observando com carinho da sua Blackstar. Um beijo. Tentarei ficar de Bowie por aqui. 

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Dois

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