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Apenas sentia

Era de alegria que a face se abria em cinza. Era de sorriso que a boca sem dentes vazava a consideração. Era de felicidade que os olhos úmidos ameaçavam derrubar lágrimas.

A visão constante de desastre evaporava no momento que a notícia foi alvejada com tiros de prata e pólvora. Foi no seco que a bala engolida desceu. A ânsia veio em seguida, mas bastou um cálice de gasolina para o vômito não surgir.

Era de alívio que a morte apareceu com seu costumeiro ar de tranqüilidade. Difícil imaginar qual a real sensação de falecer, sobretudo quando um ferro penetra na carne ainda viva. Qual a dor? Pior que parto? Pior que transplante de rim? Pior que a perda de um amor ativo em pleno pôr-do-sol litorâneo... Ou melhor que rúcula com agrião ao molho tártaro de culinária equivocada?

As questões surgiram no exato e inoportuno doce de levar um tiro. Era de alegria, pois não precisaria mais dormir na lápide dura que ele chamava de calçada. Era sem dentes a boca cultivada a sobras, a lixo industrializado por seres muito mais limpos do que ele. E era de felicidade porque não agüentava mais ser escória de uma civilização que nada pôde e nada fez por ele. Era de rua que se vazia vivo. E foi de rua o tiro perdido por uma armada que apontava na cabeça de um empresário recém assaltado. A bala que tinha como endereço a cabeça do empresário, acabou na cabeça do mendigo.

Logo após, ele não questionou mais qual o tipo de dor que sentia. Apenas sentia.

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um gole de derrota nesse asco. um casco entre as unhas, colabora. o copo quebrado acumula pó e o nó na garganta é charme. a calma quer explodir em caos para um fundo em furo se enfurecer na poética dissonante de um crescente anoitecer. mencionado antes, agora exposto "o mundo está duas doses abaixo" por mais que às vezes, acima, recria o oposto da colocação. então, não tenha medo hora ou cedo o coração padece e merece um aproveitar que tenha como fim o sorrir. (mas não acontece).

Fim

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Oportuno

Os dias frenéticos me interropem os prazeres. Os pequenos detalhes seguem despercebidos, Nem a velha canção funciona e não emociona. As horas estão lotadas neste pensamento aflito. Eu procuro um grito, mas o perco no vácuo. Faço do coração apenas um pulso de sangue E não vejo que de fato ele quer uma percepção. Eu passo um risco no instante que quero. Preciso de calma mesmo querendo o agito. Fico aos nervos quando necessito de paz. Recorro à memória e me sinto traindo. Nos segundos falecidos eu vejo a derrota E amplio com dicotomia, pois não é a verdade. Trato o acaso como um passado empoeirado E reflito neste pouco que nada está atrasado. Tudo se trata de período contido Que poderá ser resgatado em um dia oportuno.