Pular para o conteúdo principal

Em algum lugar do passado

Um pensamento praiano interrompe o momento. Por enquanto, não interessa a ninguém as linhas de raciocínio lógico a respeito da vida do indivíduo. Então, o sol se despede entre as montanhas da Serra do Mar. Uma ligeira brisa marítima acerta o rosto solitário que estava ali perdendo e ganhando o seu tempo na areia, sentado no seu chinelo de hippie. Algumas pessoas caminhavam na beira, deixando os seus pés receberem aquele ataque singelo de água salgada. Certas gaivotas plainavam contra o vento como se estivessem brincando, fazendo de conta que eram pipas sendo controladas por garotos de cabelos cacheados e de pele queimada. Na certa, nativos da região. Aos poucos os barcos que estavam no mar, provavelmente embarcados com peixes, iam se acomodando na orla. Não sozinhos, é lógico, seus respectivos comandantes se encarregavam de tal ato.
Um grão de areia acerta o olho da pessoa que estava ali contemplando a paisagem. Leves piscadas fazem com que o cisco escorra pela lateral direita da visão, como se estivesse escapando de um desespero repentino de ataque claustrofóbico. Como se uma estrela tivesse sido engolida por um buraco negro.
Era um verão ameno. Logo que o sol fazia o seu balé de despedida, um leve friozinho pedia licença e invadia o ar. Nada que prejudicasse as férias forçadas, afinal, descanso no outono é raro. E nada melhor do que aquele momento para repensar nos detalhes que a sua vida estava tomando. Era até inspirador se deixar levar pelas lembranças desastrosas: vida amorosa, depressão condicional e ofício estragado. Mas a beleza se via em cada detalhe: nas casas que iam acendendo aos poucos as luzes, no barulho de uma nova onda morrendo na areia, nas crianças correndo de seus pais que insistiam em não deixá-las mais na água, no apito do vendedor de sorvetes vestido de Mickey Mouse que não vendia nada, pois não era época de temporada, nos sorrisos das garotas que escapavam simpatia aos meninos e suas pranchas de surf e nos casais de velhinhos aposentados que aproveitavam mais uma oportunidade de vida em uma praia paradisíaca. Os detalhes são os melhores. Portanto, com o auxílio deles, os pensamentos fluiam.
O último raio solar do dia acerta em cheio a retina da pessoa. Os olhos se fecham. Ao se abrirem, uma garota com um colar de conchas e biquini azul claro lhe sorri. Não um sorriso normal. Um sorriso de satisfação. O rapaz corresponde deixando a mostra os seus melhores dentes alinhados. Ela se senta ao seu lado. Sem dizer uma palavra passa o seu braço pelo ombro dele. Contempla a vista e então, encara nos olhos:
- Eu te conheço de outra vida, mas não consigo lembrar da qual.
Totalmente confuso, ele apenas sorri e acha maravilhoso aquelas sobrancelhas compridas mexendo gratidão. Um canção do Ben Harper passeia pela cabeça, mas logo é esquecida.
Ela deixa uma outra palavra vazar através de seus lábios finos e desenhados por algum ser divino, tamanha a perfeição de suas almofadas. Ele não corresponde. Até tenta, mas as palavras não saem. Apenas um murmúrio é ouvido. Ela se indaga e ele escreve na areia: "você gosta de diferenças?" Ela balança um "sim" com a cabeça. E ele complementa: "Que bom, pois sou mudo".

Postagens mais visitadas deste blog

Acertos maus

Contato ausente Em pele quente Que arde dor De passado beijo Desfeito antes Recriado oposto Delicado gosto. Mentira exposta Na boca torta De beleza oca E fala morta Que acabou O amor incerto De brigas boas, Acertos maus, Vontades outras, Saudades poucas. Ainda há bem Outrora ruim Um desejo em mim De tragar o fim Engolindo gim.
Para o amor, o bastar O exagero, o gostar A carícia, o acordar O café, o sorrir A voz, sussurrar O beijo, o selo O abraço, o continuar lsH
Patti Smith me dá razão nesta madrugada. Tentei ser, pelo menos, amigável, mas confesso que fui um pouco falso, torcendo para que não aconteça o que você tanto quer. Acendi meu cigarro e fiquei pensando: para que ser assim? Vou ganhar alguma coisa? Não. De maneira alguma. Talvez eu esteja cansado de ser o bom das histórias. Um grande amigo meu, certa vez, me disse: Léo, o problema é que você é muito bonzinho. Não é exatamente isso que as pessoas as quais nos apaixonamos querem? No meu caso, parece que não.  Por isso que agora a Patti me dá razão, principalmente por causa dos versos: "i was thinking about what a friend had said, i was hoping it was a lie". Sim, eu me sinto culpado de ser o bom da história. Se isso acontece, se de fato sou assim, por que sou chutado? Pois é... Think about.