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Nada de velho para colher no jardim

Era madrugada. Os ônibus realizavam a dança da despedida. O movimento frenético de pessoas iam preenchendo a paisagem de concreto e vidro. Em um canto do salão, uma turma derrubava lágrimas de adeus. Alguns iniciaram um canto que deveria remeter à alguma lembrança de convívio. O momento foi bonito, mas não trouxe sentimentos maiores aos que estavam de passagem. Afinal, a correria não permitia observações mais detalhadas.
Os bancos da rodoviária estavam todos ocupados, muitos por pessoas que aguardavam a sua vez para embarcar. Outros tantos serviam de apoio para malas e demais bagagens. Certas crianças corriam eufóricas pelos corredores. Não seria novidade se algumas delas estivessem perdidas de seus pais. Mais a frente uma pessoa desesperada procura a passagem que deixou cair. Ela pede às pessoas ao seu redor se não a viram. O desdém por parte delas é trivial. E a aflição continua.
Um outro ônibus anuncia a sua saída através da buzina gritante que clama pela viagem. A maioria já está embarcada, mas sempre há os retardatários. No caso, um jovem franzino e sua mochila gigante. Um ar de cansaço estava impresso em seus olhos castanhos. Ele usava um anel de aço cirúrgico e um colar de sementes. No ouvido, fones de um aparelho de MP3, na certa, ouvindo algum som de reggae. Ao pisar no primeiro degrau do ônibus, um berro corta o ar gélido daquela madrugada:
- Gabrielllllllllllllllllllllllllllllllllllll.
Ele interrompe a subida e abre um sorriso. Sai em disparada e abraça a sua amiga. A lágrima escorre. Ambos não falam nada, apenas choram. Um beijo acontece e um olhar demonstra todos os sentimentos já ditos. Ele olha para o céu, dá um último abraço e embarca. Em silêncio. Rumo a uma aventura que talvez não tenha volta. Rumo a um lugar que talvez desperte outros sentimentos de raízes. Rumo a busca pela vida que deveria estar sem sal, sem açúcar, sem direção. Rumo ao futuro de melhoras. Rumo ao desconhecido.
Era mais um dando adeus, entre tantos outros que se encontravam no bailar dos encontros e das despedidas. Gabriel lembra dos versos de Milton Nascimento, aqueles que dizem "coisa que gosto de fazer é poder partir sem ter planos". Na realidade as frases são de Fernando Brant, mas foi o Milton que as eternizou. Deixa uma outra lágrima escapar e aumenta o volume do seu MP3. O seu destino era o mar, em uma cidade desconhecida, sem pessoas para lhe ajudar, sem conflitos para recomeçar e sem amigos para incomodar. Tudo novo. Nada de velho para colher no jardim. E foi.
A madrugada continuava a presenciar as chegadas e partidas. Os carros ainda dançavam a última música ao som de roncos e buzinas, sem falar da voz insistente das caixas de som da rodoviária. "Atenção passageiros com destino a Búzios, saída em três minutos". Gabriel estava indo. E na mesma viagem, uma garota, aquela da turma que estava fazendo um ritual de despedida, senta-se ao seu lado. Eles se olham e sorriem. Não trocam nenhuma palavra, porém, percebem que irão se conhecer melhor. Ambos, em Búzios.

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Acertos maus

Contato ausente Em pele quente Que arde dor De passado beijo Desfeito antes Recriado oposto Delicado gosto. Mentira exposta Na boca torta De beleza oca E fala morta Que acabou O amor incerto De brigas boas, Acertos maus, Vontades outras, Saudades poucas. Ainda há bem Outrora ruim Um desejo em mim De tragar o fim Engolindo gim.
Para o amor, o bastar O exagero, o gostar A carícia, o acordar O café, o sorrir A voz, sussurrar O beijo, o selo O abraço, o continuar lsH
Patti Smith me dá razão nesta madrugada. Tentei ser, pelo menos, amigável, mas confesso que fui um pouco falso, torcendo para que não aconteça o que você tanto quer. Acendi meu cigarro e fiquei pensando: para que ser assim? Vou ganhar alguma coisa? Não. De maneira alguma. Talvez eu esteja cansado de ser o bom das histórias. Um grande amigo meu, certa vez, me disse: Léo, o problema é que você é muito bonzinho. Não é exatamente isso que as pessoas as quais nos apaixonamos querem? No meu caso, parece que não.  Por isso que agora a Patti me dá razão, principalmente por causa dos versos: "i was thinking about what a friend had said, i was hoping it was a lie". Sim, eu me sinto culpado de ser o bom da história. Se isso acontece, se de fato sou assim, por que sou chutado? Pois é... Think about.