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Diálogo em cartas

Eu só queria a verdade. Algumas mentiras também poderiam servir, no caso. Desde que fossem interessantes. Mas não tive razões. As emoções escorreram pelo sujo vidro da pura vodca. Eu entreguei os sentimentos, esvaziei em tabaco, curti o desespero, vivi o escandalo. Procurei uma conselheira, uma cartomante. Nenhuma novidade me apontaram. A única ponta foi o escape, a salgada ilusão. Não entendo a outra, eu sempre quis ser a mesma. Não compreendi o beijo, mas o vi quando você estava no salão, mas um confete, na hora, caiu em meu olho. Traição de Carnaval, alguns não consideram. Eu considero.
Agora as lembranças estão lá na minha casa em uma caixa de sapato. A sua escova, o seu pente, a sua loção. A nossa música ainda embala o meu coração, mas estou dando um fim na situação. Pegue a sua intenção e meta no ralo. Minhas lágrimas já foram bebidas nas noites de neblina, não sobrou nenhuma para contar a lenda. Satisfação em conhecê-lo, em amá-lo, em odiá-lo. Minhas unhas, todas detonadas, há tempos não sabem o que é um esmalte. Tudo é culpa da marchinha carnavalesca e daquela odalisca que em sorrisos abriu os seus lábios. Que pena.
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Falhei, concordo. Dias horríveis sobrevivi. Cervejas inteiras derrubei. Lástimas turbulentas escrevi. Que besteira homérica realizei. Não culpo o Carnaval, culpo a oportunidade. Confesso, esperei uma solução. Um perdão. Agora em soluço encaro o vazio do meu lado, o seu cheiro no lençol, o seu perfume em minha camisa. Sofri, amor. Mas não tenho álibi. Seus olhos foram testemunha. Eu quis uma fúria. Culpa minha, toda. O sabor sentido foi dos lábios da odalisca em nada lembra o calor da sua mão. Meu peito aberto sangra a traição desesperada, mal pensada, penada. O sol brilha opaco. O vinho caro é saboreado barato. A sua foto na estante da sala está ainda mais bela. Desculpas não adiantam. Eu fiz, você viu. Corri atrás. Você partiu. Troquei desilusões. Meu cachorro, ao menos, me ouviu. Logo passo para pegar as lembranças. Pode ficar com o disco da Tori Amos, mas me deixe um pouco dos versos de Crucify. Eu entendo.

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Fim

  É tanto vazio nesse espaço cheio É tanto desamor nesse amor É tanta sofrência nessa alegria É tanta felicidade nessa tristeza É tanto amigo nessa solidão É tanta falsidade nessa realidade É tanta falta nessa plenitude É tanto concreto nesse verde É tanta abstinência nessa bebida É tanto início nesse fim.

Oportuno

Os dias frenéticos me interropem os prazeres. Os pequenos detalhes seguem despercebidos, Nem a velha canção funciona e não emociona. As horas estão lotadas neste pensamento aflito. Eu procuro um grito, mas o perco no vácuo. Faço do coração apenas um pulso de sangue E não vejo que de fato ele quer uma percepção. Eu passo um risco no instante que quero. Preciso de calma mesmo querendo o agito. Fico aos nervos quando necessito de paz. Recorro à memória e me sinto traindo. Nos segundos falecidos eu vejo a derrota E amplio com dicotomia, pois não é a verdade. Trato o acaso como um passado empoeirado E reflito neste pouco que nada está atrasado. Tudo se trata de período contido Que poderá ser resgatado em um dia oportuno.
Rodopie linda com o seu vestido febril. Deixe as flores atingirem o seu rosto. Dancemos ao som de City Pavement. Fotografemos as faces em frias manhãs. Deitemos de novo em um ninho de edredon. Deslize devagar pelo meu pulso acelerado. Respire meu ar. Um café da manhã em Vênus, acordando em Elizabethtown, como se fosse uma lenda. Ao lado do universo, ninguém tira as nossas chances. Temos sempre mais um habana blues, um tango, uma dança suja. Uma nova canção desesperada para apreciarmos. Um eterno registrado. Cada qual. Cada em si. Em mi maior.