"Roads" no fone de ouvido. Vela acesa. Cabeça repousando no travesseiro. Beth Orton, com a sua suave e melancólica voz, dá toda a razão ao penetrar no tímpano.
"Ninguém consegue ver? Temos uma guerra para travar/ Nunca achamos nosso caminho, diferente do que eles dizem / Como pode parecer tão errado? Para esse momento, como pode parecer tão errado? Tempestade na luz da manhã / Eu sinto / Não posso dizer mais, congelada para mim mesmo".
Respira. Inspira. Aspira. Expirra. A poeira da memória provoca sensações indeléveis, ainda mais com a trilha sonora perfeita para vasculhar o velho baú de lembranças. A imaginação a transporta ao mesmo local do primeiro sexo. Também do segundo, do terceiro e do quarto. Ela segura com os cílios a lágrima que não insistiu em cair. A solidão tem dessas coisas: proporcionar uma reviravolta mental.
Tinha tanta esperança carregada no coração, presa em um colar que não tira nem para tomar banho. Mas, como toda e qualquer traição oferece inícios, também possibilita fins. A cicatriz do passado já se fechou, no entanto, provoca dores de vez em quando. A sofreguidão de alguns atos provocam esse descarrego, pensava ela, iluminada pela luz da vela.
Naquele momento, "Strangers", outro petardo sônico a acompanha na trip da ressaca do pensar:
"Alguém pode ver a luz onde a aurora encontra o orvalho e a maré sobe / Você percebeu, ninguém pode ver dentro da sua visão / Você percebeu porque essa visão pertence a você".
Fechou os olhos e abriu um sorriso como se tivesse decifrado um enigma, enganado o pensar, respondido o destino. Ela abraçou o travesseiro e dormiu em um sono alucinante de paz frenética que nenhuma concepção pode explicar. Somente ela e o seu madrugar.