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Terça-feira. 21h39. Meu radinho toca uma canção do Nick Drake, o que me faz pensar naquele amor que deixei no litoral, num dia cinza de setembro, todo molhado pela lágrima de um São Pedro traído. Os barcos voltavam sem peixes e os rostos dos pescadores eram de tamanho descontentamento que até Hitler ficaria com pena. Lembro de ter olhado no fundo de sua pupila e lido um sentimento de desespero, mas com um resquício de esperança adocicada pela bala que você mordia.

O vento do mar levantava o seu cabelo castanho e você passava a língua nos lábios, como se estivesse sentindo o gosto do sal que era transportado pela brisa. Aos poucos os pescadores amarravam as suas embarcações. Assim que terminava mais um dia, o sorriso ia retornando às faces, cada qual contentes por ter a certeza de que uma morena estaria esperando na porta de casa, com o jantar pronto e todo o carinho possível para oferecer. Eu tinha comentado exatamente isso enquanto a nuvem mais pesada foi se diluindo no céu, dando lugar à primeira estrela a surgir. Aquela cena dos pescadores indo embora, não sei porque, chamou a sua atenção. Presenciei uma lágrima. Cheguei mais perto e te abracei com todo o calor que pude proporcionar. Você retribuiu.
O feriado estava acabando e o meu retorno era necessário. Lembro de ter te deixado naquela praia. Foi a última vez que te vi. No ano seguinte a maldita doença levou a sua presença e o que sobrou eu ouço todos os dias: essa canção do Nick Drake que não sai do meu radinho. Agora o pescador sou eu, retornando de um mar sem peixe e sem uma morena para dar o carinho necessário. Mas, no fim das contas, sabemos que é preciso fases de tristeza para termos períodos de felicidade. Um é complemento do outro. Um pro outro.

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um gole de derrota nesse asco. um casco entre as unhas, colabora. o copo quebrado acumula pó e o nó na garganta é charme. a calma quer explodir em caos para um fundo em furo se enfurecer na poética dissonante de um crescente anoitecer. mencionado antes, agora exposto "o mundo está duas doses abaixo" por mais que às vezes, acima, recria o oposto da colocação. então, não tenha medo hora ou cedo o coração padece e merece um aproveitar que tenha como fim o sorrir. (mas não acontece).

Fim

  É tanto vazio nesse espaço cheio É tanto desamor nesse amor É tanta sofrência nessa alegria É tanta felicidade nessa tristeza É tanto amigo nessa solidão É tanta falsidade nessa realidade É tanta falta nessa plenitude É tanto concreto nesse verde É tanta abstinência nessa bebida É tanto início nesse fim.

Oportuno

Os dias frenéticos me interropem os prazeres. Os pequenos detalhes seguem despercebidos, Nem a velha canção funciona e não emociona. As horas estão lotadas neste pensamento aflito. Eu procuro um grito, mas o perco no vácuo. Faço do coração apenas um pulso de sangue E não vejo que de fato ele quer uma percepção. Eu passo um risco no instante que quero. Preciso de calma mesmo querendo o agito. Fico aos nervos quando necessito de paz. Recorro à memória e me sinto traindo. Nos segundos falecidos eu vejo a derrota E amplio com dicotomia, pois não é a verdade. Trato o acaso como um passado empoeirado E reflito neste pouco que nada está atrasado. Tudo se trata de período contido Que poderá ser resgatado em um dia oportuno.