Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

sexta-feira, junho 22, 2007

Deja vú


Sim, hoje ele acordou carente. Alguns sonhos pertubaram a sua madrugada. Lembranças não acontecidas no passado foram imaginadas e ampliadas. O sentimento ficou confuso. O coração parou. Ele sentiu um pequeno infarto agudo no miocárdio. Ficou sentado na cama esperando o bolo de pensamento se dissolver. Pegou um papel e escreveu um poema de derrotado. Depois de terminado o escrito, tentou voltar ao sono profundo, somente para ver a conclusão do sonho. Mas as imagens não retornaram e não teve outro ponto de partida. Um outro sonho iniciou. E ele chorou. "Tanto faz... que o que não foi não é e eu sei que ainda vou voltar... mas eu quem será?" Pensava ele após acordar novamente. Bebeu um copo de água e ficou refletindo sobre a vida.

A falta de algo que ao certo ele não sabia arrancou a pulsação do seu peito pela boca. Tentou se consolar com uma canção, aquela mesma que ele pensou, mas não adiantou. Acendeu um cigarro e foi até a janela do quarto. Ficou olhando os movimentos dos carros na rua. Seres perdidos vagavam pela noite escura. Alguns exalavam piedade. "Será que todos amam? Será que esses perdidos têm amor para dar?" Indagava-se apoiado no pára-peito da janela. Desistiu de analisar os outros e voltou à sua auto-análise.

Buscou o sofá da sala vazia de um apartamento semi-imobiliado alugado em troca de favores sexuais. Olhou para o teto e ficou lamentando o que nunca tentou: amar loucamente. Muitas possibilidades passaram em sua vida. A pessoa do cabelo cacheado, a pessoa do vestido rodado, a pessoa do olhar melancólico e a pessoa morena do sorriso torto. Por medo de se machucar, ele disse não a todas. Com o tempo acabou desistindo do amor, se fechou em uma caixa de papelão rasgada e controlou o seu sentimento como se fosse um cachorrinho adestrado.

O dia estava anunciando um novo nascer através dos primeiros raios solares. E ele não chegou a conclusão alguma. Só pensou em preparar o café matinal e trocar de roupa para ir trabalhar. Ao levantar do sofá teve um deja vú. Nem deu importância ao fato. Seguiu até à cozinha e caprichou na negritude do café amargo, no ponto perfeito de apreciação para agüentar mais um dia de labuta exacerbada.

Ao sair do apartamento, um outro deja vú aconteceu. Ele ficou com um pouco de medo, afinal, nunca tinha tido dois deja vús no mesmo dia. Passou a chave na fechadura e seguiu pelas ruas de Amsterdã, capital da Holanda, como todos os maconheiros já sabem. A cidade é quase um feitiche aos apreciadores da erva. Quando ele parou no ponto de ônibus, eis que uma barra de concreto caiu do céu e acertou em cheio o teto da sua cabeça. O sangue jorrou a uma velocidade impressionante. Seus olhos começaram a perder a visão e quando ele achou que estava morrendo, uma imagem de luz apareceu e... Foi neste momento em que ele, de fato, acordou. Estava na mesma cama, no mesmo apartamento pago graças a favores sexuais, ao lado de uma pessoa com rosto conhecido: a sua mulher que ele não amava. Teve um deja vú matutino e voltou a dormir, pois preferia os sonhos a que a vida real.