Pular para o conteúdo principal

Deja vú


Sim, hoje ele acordou carente. Alguns sonhos pertubaram a sua madrugada. Lembranças não acontecidas no passado foram imaginadas e ampliadas. O sentimento ficou confuso. O coração parou. Ele sentiu um pequeno infarto agudo no miocárdio. Ficou sentado na cama esperando o bolo de pensamento se dissolver. Pegou um papel e escreveu um poema de derrotado. Depois de terminado o escrito, tentou voltar ao sono profundo, somente para ver a conclusão do sonho. Mas as imagens não retornaram e não teve outro ponto de partida. Um outro sonho iniciou. E ele chorou. "Tanto faz... que o que não foi não é e eu sei que ainda vou voltar... mas eu quem será?" Pensava ele após acordar novamente. Bebeu um copo de água e ficou refletindo sobre a vida.

A falta de algo que ao certo ele não sabia arrancou a pulsação do seu peito pela boca. Tentou se consolar com uma canção, aquela mesma que ele pensou, mas não adiantou. Acendeu um cigarro e foi até a janela do quarto. Ficou olhando os movimentos dos carros na rua. Seres perdidos vagavam pela noite escura. Alguns exalavam piedade. "Será que todos amam? Será que esses perdidos têm amor para dar?" Indagava-se apoiado no pára-peito da janela. Desistiu de analisar os outros e voltou à sua auto-análise.

Buscou o sofá da sala vazia de um apartamento semi-imobiliado alugado em troca de favores sexuais. Olhou para o teto e ficou lamentando o que nunca tentou: amar loucamente. Muitas possibilidades passaram em sua vida. A pessoa do cabelo cacheado, a pessoa do vestido rodado, a pessoa do olhar melancólico e a pessoa morena do sorriso torto. Por medo de se machucar, ele disse não a todas. Com o tempo acabou desistindo do amor, se fechou em uma caixa de papelão rasgada e controlou o seu sentimento como se fosse um cachorrinho adestrado.

O dia estava anunciando um novo nascer através dos primeiros raios solares. E ele não chegou a conclusão alguma. Só pensou em preparar o café matinal e trocar de roupa para ir trabalhar. Ao levantar do sofá teve um deja vú. Nem deu importância ao fato. Seguiu até à cozinha e caprichou na negritude do café amargo, no ponto perfeito de apreciação para agüentar mais um dia de labuta exacerbada.

Ao sair do apartamento, um outro deja vú aconteceu. Ele ficou com um pouco de medo, afinal, nunca tinha tido dois deja vús no mesmo dia. Passou a chave na fechadura e seguiu pelas ruas de Amsterdã, capital da Holanda, como todos os maconheiros já sabem. A cidade é quase um feitiche aos apreciadores da erva. Quando ele parou no ponto de ônibus, eis que uma barra de concreto caiu do céu e acertou em cheio o teto da sua cabeça. O sangue jorrou a uma velocidade impressionante. Seus olhos começaram a perder a visão e quando ele achou que estava morrendo, uma imagem de luz apareceu e... Foi neste momento em que ele, de fato, acordou. Estava na mesma cama, no mesmo apartamento pago graças a favores sexuais, ao lado de uma pessoa com rosto conhecido: a sua mulher que ele não amava. Teve um deja vú matutino e voltou a dormir, pois preferia os sonhos a que a vida real.

Postagens mais visitadas deste blog

Patti Smith me dá razão nesta madrugada. Tentei ser, pelo menos, amigável, mas confesso que fui um pouco falso, torcendo para que não aconteça o que você tanto quer. Acendi meu cigarro e fiquei pensando: para que ser assim? Vou ganhar alguma coisa? Não. De maneira alguma. Talvez eu esteja cansado de ser o bom das histórias. Um grande amigo meu, certa vez, me disse: Léo, o problema é que você é muito bonzinho. Não é exatamente isso que as pessoas as quais nos apaixonamos querem? No meu caso, parece que não.  Por isso que agora a Patti me dá razão, principalmente por causa dos versos: "i was thinking about what a friend had said, i was hoping it was a lie". Sim, eu me sinto culpado de ser o bom da história. Se isso acontece, se de fato sou assim, por que sou chutado? Pois é... Think about. 

Os meus beijos mais sinceros

O calor está derretendo o pouco que sobrou da minha lembrança mais triste. Ainda bem que te encontrei. Foi culpa da areia do mar que soprou em meus olhos um sonho com você. Estou ficando brega, declarando exacerbadamente o amor que deixei a frente de 400 quilômetros. A canção mais melosa e irritantemente apaixonada não sai do som. É a faixa sete daquele disco, de um cantor que eu sempre gostei, assim como a subjetividade que me invade. Não importa. Eu ainda posso te ver na lembrança daquele vestido azul que rodopiava e balançava até os pederastas. Continuo dizendo: ainda bem que te encontrei. Quando você veio me oferecendo bebida, eu não neguei. Bebi a última gota. Então, eu te olhei. Você sorriu. Eu procurei. Você também. Eu te beijei. E você seguiu. A hora mais longa ficou mais curta e devorou o destino traçado pelo acaso da sua boca de lábios rachados. Mesmo assim, belamente provocantes. Não sei se você está entendendo o sentimento confuso e ampliado, mas os insetos que me causam ân...

Imaginando...

Um copo de conhaque acompanhado de uma tosse chata. A voz rouca por causa dos muitos cigarros e do exagero da noite passada. A meia-luz serve de distração para o inseto que nem percebe a sua real insignificância. A janela um pouco aberta. Apesar do frio, muito odor no quarto de um prédio de classe-média. A fumaça vai bailando encontrando o ar da rua que insiste em ser a veia dos poluentes mecânicos. Acho que estou com um pouco de febre, sei lá. O bicho na lâmpada está começando a me incomodar. Logo esqueço. Leonard Cohen amortece os meus tímpanos e eu, em transe, me transporto para um campo de aveia. Fecho os olhos. Estou correndo sem direção alguma, só sentindo o vento morno adentrando os meus poros faciais. Sigo como um alucinado acreditando ser o humano mais feliz do mundo somente por causa do sol em meus lábios. O azul do céu é de um absurdo tão belo que praticamente esqueço que existem outras cores. O bardo canadense continua embalando, satisfazendo a minha sensação única de l...