Pular para o conteúdo principal

Pessoa Perdida Procura – Capítulo Dois – Dummy


O sol estava se despedindo. Um bonito fim de tarde em Guaratuba. Eu aceitei a carona da Gisele e entramos em seu Golf vermelho sangue. Ela disse que tinha a impressão de ter me conhecido no Porto Pier 3, um local que deve comportar umas 90 pessoas, tem dois pavimentos com bar e lanchonete. O lugar era bem agradável. Vagamente eu recordava que já tinha passado por lá. Só não lembrava ainda como tinha parado na estrada entre Coroados e Guaratuba.
- Aliás, qual é o seu nome? – Perguntou a farmacêutica de lindos olhos negros.
- Eu não tenho certeza quanto a isso, mas acho que me chamo Israel. – Foi naquele momento que me dei conta que estava sem a minha carteira. Enquanto Gisele dirigia em direção ao posto de saúde e ouvíamos no som do carro um disco do Portishead, se não me engano era o Dummy, vasculhei a minha mochila. Não encontrei porra nenhuma de carteira. Mas, entre os CDs soltos e a edição do Misto-quente, do Bucowski, estava a minha agenda. Abri. Foi quando caiu minha carteira de motorista (ainda bem, eu sabia dirigir), minha identidade, um cartão de um motel, uns papéis de seda, uma foto, um cartão magnético do Banco do Brasil e cerca de 2.500 reais em dinheiro vivo. Fiquei mais confuso. Não tinha idéia sobre aquele dinheiro.
- Acho melhor você guardar esse dinheiro, você não tem carteira? – Disse Gisele ao som de Glory Box. Eu poderia estar confuso quanto à minha identidade e ao meu passado, mas nunca esqueceria a voz de Beth Gibbons.
- Não sei Gisele. Eu acho que tinha uma carteira. Talvez eu tenha sido roubado. – Comentei a ela. Àquela altura da situação eu já tinha contado a ela a minha saga de um rapaz com pouca memória recente que tinha acordado em uma estrada, sem lembrança alguma de como eu tinha chegado lá.
- Eu tenho certeza. Eu te vi na noite de ontem no Porto Pier. Você estava com uma turma, digamos, alegre. Se não me engano vocês estavam em cinco pessoas. – No momento em que Gisele começou a me falar aquilo, alguns flashbacks foram surgindo.
- Tinha um rapaz com cabelo moicano. Ele vestia uma camiseta do Art Brut. Eu fiquei intrigada, pois ninguém por aqui conhece o Art Brut. Eu até puxei conversa com ele para saber onde ele tinha comprado a camiseta. Aí ele disse que um amigo dele tinha mandado de Chicago para ele. E aí voltei a beber com as minhas amigas. – Disse uma empolgada Gisele que não parava de balançar a cabeça no ritmo de Glory Box.
Chegamos, enfim, no posto de saúde. No momento em que Gisele estava manobrando o seu Golf vermelho sangue, escutamos um barulho. E não era da música do Portishead. Um outro carro tinha acabado de bater na gente.
Puta que o pariu filha da grande vadia universal. Apenas pensei, não disse em voz alta.
- Puta merda! – Sim, foi a Gisele que disse isso.

(A história continua nos próximos posts).

Postagens mais visitadas deste blog

um gole de derrota nesse asco. um casco entre as unhas, colabora. o copo quebrado acumula pó e o nó na garganta é charme. a calma quer explodir em caos para um fundo em furo se enfurecer na poética dissonante de um crescente anoitecer. mencionado antes, agora exposto "o mundo está duas doses abaixo" por mais que às vezes, acima, recria o oposto da colocação. então, não tenha medo hora ou cedo o coração padece e merece um aproveitar que tenha como fim o sorrir. (mas não acontece).

Fim

  É tanto vazio nesse espaço cheio É tanto desamor nesse amor É tanta sofrência nessa alegria É tanta felicidade nessa tristeza É tanto amigo nessa solidão É tanta falsidade nessa realidade É tanta falta nessa plenitude É tanto concreto nesse verde É tanta abstinência nessa bebida É tanto início nesse fim.

Oportuno

Os dias frenéticos me interropem os prazeres. Os pequenos detalhes seguem despercebidos, Nem a velha canção funciona e não emociona. As horas estão lotadas neste pensamento aflito. Eu procuro um grito, mas o perco no vácuo. Faço do coração apenas um pulso de sangue E não vejo que de fato ele quer uma percepção. Eu passo um risco no instante que quero. Preciso de calma mesmo querendo o agito. Fico aos nervos quando necessito de paz. Recorro à memória e me sinto traindo. Nos segundos falecidos eu vejo a derrota E amplio com dicotomia, pois não é a verdade. Trato o acaso como um passado empoeirado E reflito neste pouco que nada está atrasado. Tudo se trata de período contido Que poderá ser resgatado em um dia oportuno.