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Marasmo

Que marasmo! A cortina fechada não deixa entrar a neblina que se esvoa fora do quarto. Elliott Smith acompanha os embalos de sono de um ser em solidão. Ele pensa em alguém que nem sabe se existe. Tem sonhos clandestinos sobre um relacionamento estranho que não se consome. Às vezes se esquece da noite passada e acorda sozinho ao lado de trocados deixados na cabeceira da cama.
É dia primeiro de janeiro de 2006. O gosto de álcool ainda permanece nos lábios rachados. Os olhos fechados não se permitem abrir. Ele passou a virada com alguém, que novamente saiu sem dizer bom dia. Nem todos os dias são bons. Alguns levantam vagorasamente enroscados em lençóis. De qualquer forma, levantam, vão à panificadora, voltam, fazem café, tomam café com pão e margarina, saem atrasados para o trabalho e seguem a rotina. No caso do ser solitário, o seu desejum é composto de vodca, pão de forma e arrotos. Muitos arrotos para aquecer as cordas vocais calibradas com alcatrão. Ele já acorda bêbado.

***

Possui poucos amigos. A maioria ele vê como concorrentes que desfilam na mesma rua em que ele se encontra. Quando há conversa é tudo furada. É claro que existem risadas e histórias para contar, como aquela da ninfeta que nunca tinha dado, mas jurava que já tinha pego um governador. O máximo que ela tinha feito era um tratamento bucal. Mas ela afirmava que tinha sido ginecológico.
Ele tinha mais afinidade com José, capixaba de 17 anos que se estabeleceu em São Paulo para tentar a vida artística. Não conseguiu muita coisa, mas foi protagonista de três filmes pornográficos. Coisa fina. Durante a gravação de "Cowboy Tarado", José teve uma performance sofrível, mas conseguiu chegar lá, graças a ajuda de Clarice Love, uma tremenda profissional conhecida pelos seus talentos anais. Dizem que atualmente ela não trabalha mais, se tornou secretária do lar e se casou com um publicitário. José deve muito a Clarice, foi ela que o colocou no mercado promissor dos longa-metragens de arte despudorada.
Mesmo com poucos amigos, o ser solitário não ligava. Os acessos depressivos eram controlados a base de caminhadas noturnas pelo centro da cidade. Ele sempre encontrava uma vagabunda para conversar. Trocavam idéias e terminavam o papo em alguma cafetaria com paredes de azulejo trincado. Às vezes ele não trabalhava. Faltava a compromissos importantes para ficar conversando com vagabundas. Os figurões paulistas morriam de ódio.

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No momento ele está deitado na cama, pensando em marasmo e ouvindo Elliott Smith. Continua pensando em alguém que não conhece e sonhando acordado. Ele é um romântico natural. Mas, isso fica para uma próxima oportunidade. Quando as coisas podem ser explicadas.

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Acertos maus

Contato ausente Em pele quente Que arde dor De passado beijo Desfeito antes Recriado oposto Delicado gosto. Mentira exposta Na boca torta De beleza oca E fala morta Que acabou O amor incerto De brigas boas, Acertos maus, Vontades outras, Saudades poucas. Ainda há bem Outrora ruim Um desejo em mim De tragar o fim Engolindo gim.
Para o amor, o bastar O exagero, o gostar A carícia, o acordar O café, o sorrir A voz, sussurrar O beijo, o selo O abraço, o continuar lsH
Patti Smith me dá razão nesta madrugada. Tentei ser, pelo menos, amigável, mas confesso que fui um pouco falso, torcendo para que não aconteça o que você tanto quer. Acendi meu cigarro e fiquei pensando: para que ser assim? Vou ganhar alguma coisa? Não. De maneira alguma. Talvez eu esteja cansado de ser o bom das histórias. Um grande amigo meu, certa vez, me disse: Léo, o problema é que você é muito bonzinho. Não é exatamente isso que as pessoas as quais nos apaixonamos querem? No meu caso, parece que não.  Por isso que agora a Patti me dá razão, principalmente por causa dos versos: "i was thinking about what a friend had said, i was hoping it was a lie". Sim, eu me sinto culpado de ser o bom da história. Se isso acontece, se de fato sou assim, por que sou chutado? Pois é... Think about.