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O Último Desejo


Calmamente ela se aconchegou entre almofadas e cobertores. Antes, vestiu o seu pijama predileto. Colocou os fones de ouvido e acionou o play. A melhor companhia nos momentos de paz é a música. A melodia deslizava macia pelo tímpano da moça que pensava no futuro próspero. Imaginou uma vida de sossego, mas logo outros devaneios pediram licensa às linhas de raciocínio. Fechou os olhos.
Iniciou uma viagem a outros mundos de realidade fantástica. Julian Cassablancas surgia vestindo um jeans e um terninho cuidadosamente desarrumado. Ele convidou a moça para subir ao palco, como se fosse um Bono Vox underground. Ela abriu-se em gargalhadas de alegria exacerbada, capazes de ultrapassar a barreira do som. Não exitou e roubou um beijo ardente, certeiro na boca como se fosse o último. Logo percebeu que estava em sono, mais um sonho roubando a noite.
Saiu correndo através de uma úmida rua de Nova York. Sem explicação alguma, encontrou a Courtney Love cheirando uma carreira em um canto da grande maça. Encarou a viúva do Cobain e cuspiu impropérios delatários. Tudo culpa de uma canção, culpa de uma composição em homenagem ao vocalista da Strokes. Mas, após o fato, ela olhou o relógio e viu que estava atrasada e precisava chegar logo a uma igreja.
O tempo desesperado ia corrompendo o seu sonho fantasioso de chegar. Lançou um beijo aos céus e adentrou correndo pelo recinto que não estava em paz, e sim, em catarse coletiva. Na ponta extrema do lugar, um banquinho, um violão e uma pessoa. Rebatendo contra as paredes, o som que se percebia era "9 Crimes". O povo que também estava presente murmurava junto a doce melodia que poderia muito bem adoçar um amor incondicional de inverno voraz.
A moça, então, se acomodou em frente ao palco, somente para receber o som antes que todos. A frente, uma presença quase messiânica (para ela): Damien Rice. O dedilhado de violão inconfundível penetrava o ouvido como se fosse um ato sexual muito bem encaixado. O cantor lançou um olhar fugaz que acertou em cheio a retina da moça. Ela se desmanchou como algodão doce em boca de criança. Aos poucos, ele foi chegando perto, conquistando somente com os olhos. Aos poucos ela sentia o calor, a presença foi se fazendo e se permitindo mais perto. Um dedo acariciou a pele nervosa. Os narizes se enrroscaram. Os lábios foram se aproximando e uma voz vinda do além pronunciou:
- Marta, acorde menina! Você não vai trabalhar? A menina despertada de repente, proclama:
- DAMIEN!
- Que Damien o quê? Levante logo que você ainda tem que lavar a louça. A moça afunda os seus olhos no travesseiro e os fecha, somente para tentar cair no sono novamente e encontrá-lo para o último desejo. A tentativa é em vão. Desiste e se veste para o trabalho, com o rosto repleto de sono e um sonho perdido no infinito pensar que seria beijar o Damien Rice.

Para Marta Brod, a freqüentadora mais assídua desse humilde espaço que chamo de "extravassador de vontades". Vamos tocar o terror Martinha. Adoro-te.

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Fim

  É tanto vazio nesse espaço cheio É tanto desamor nesse amor É tanta sofrência nessa alegria É tanta felicidade nessa tristeza É tanto amigo nessa solidão É tanta falsidade nessa realidade É tanta falta nessa plenitude É tanto concreto nesse verde É tanta abstinência nessa bebida É tanto início nesse fim.

Oportuno

Os dias frenéticos me interropem os prazeres. Os pequenos detalhes seguem despercebidos, Nem a velha canção funciona e não emociona. As horas estão lotadas neste pensamento aflito. Eu procuro um grito, mas o perco no vácuo. Faço do coração apenas um pulso de sangue E não vejo que de fato ele quer uma percepção. Eu passo um risco no instante que quero. Preciso de calma mesmo querendo o agito. Fico aos nervos quando necessito de paz. Recorro à memória e me sinto traindo. Nos segundos falecidos eu vejo a derrota E amplio com dicotomia, pois não é a verdade. Trato o acaso como um passado empoeirado E reflito neste pouco que nada está atrasado. Tudo se trata de período contido Que poderá ser resgatado em um dia oportuno.
Rodopie linda com o seu vestido febril. Deixe as flores atingirem o seu rosto. Dancemos ao som de City Pavement. Fotografemos as faces em frias manhãs. Deitemos de novo em um ninho de edredon. Deslize devagar pelo meu pulso acelerado. Respire meu ar. Um café da manhã em Vênus, acordando em Elizabethtown, como se fosse uma lenda. Ao lado do universo, ninguém tira as nossas chances. Temos sempre mais um habana blues, um tango, uma dança suja. Uma nova canção desesperada para apreciarmos. Um eterno registrado. Cada qual. Cada em si. Em mi maior.