Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

domingo, julho 24, 2016

Lua






O instante
Da carência
Na lágrima
Que escorre
Do céu
Lembrando
Do que passou
E um dia voltou
Mas o presente
É vivo
E acabou.


A solidão
No instante
E a carência
Está.

Na lágrima
Que escorreu
E no dia seguinte
Morreu.

l.s.H
Numa manhã qualquer, um lençol continuou limpo por tradição. Houve afeto, mas não intento. Os olhos se analisaram e se calaram, enquanto a boca enxergou o desejo. Um pedido aconteceu. E aconteceu de ser realizado.
Que tédio.
Alguns dias são simplesmente assim. As horas se arrastam, todo o seu trabalho não passa de pasta de amendoim estragado e um bocejo é a coisa mais animadora que acontece nas últimas duas horas.
A gente sempre pensa que os outros estão melhores. Ou imaginamos onde poderíamos estar caso não estivéssemos sentados nessa cadeira de couro sintético. "Eu estaria na praia de Cumbuco". "Quem sabe eu poderia estar escalando algum Pico do Paraná". "Eu queria estar numa casa do campo, compondo rocks rurais".
No fim, estamos aonde? Na maldita cadeira de couro sintético, digitando algo nesse computador que tem um farelo de bolacha Maria entre as teclas, com fones de ouvido para nos isolarmos de nossos colegas de trabalho e enchendo a boca para dizer que hoje a vida não está legal.
O que você está fazendo para melhorar essa situação? Acabou de se mudar, o condomínio veio no valor errado, você vai pagar a mais pelos outros, por causa da organização idiota que os escritórios hoje possuem. Qualquer um, em todas as áreas: tudo desorganizado. O crime até oferece INSS e contribui no FGTS para garantir seguro desemprego. O crime é organizado, no caso.
Fazer o quê? Pegar uma arma, subir um morro, roubar uma boca de fumo, assumir o tráfico, fazer uma festa funk ou pagode, chamar a comunidade, pegar a morena mais gostosa do pedaço, fazer um filho com ela, ir à praia no fim de semana, farofar, comprar um XXL, um Nike, cheirar uma carreira de coca e ir dormir. Isso?
Pelo menos imaginar isso me tirou do tédio. Mas ainda não é o que eu quero.

Fica a Saudade


Hoje lembrei, ao acordar, de escrever uma carta.
Coloquei a água para ferver e preparei o meu café.
Lembrei das noites mal dormidas, dos dias sofridos.
Dos cigarros derrubados no chão, do cinzeiro transbordando.
O sol perfurou a janela e o raio entrou sem pedir licença.
Não sou observador, confesso, muito menos sentimental,
Mas a cena me pareceu um sinal. Lembrei você.
Iniciei os agradecimentos, os olás, o tudo bem.
A fumaça do café se misturava com a do cigarro.
Contei um pouco da rotina que ainda acabará me matando,
Dos estranhos que acabo entregando intimidades,
Da moça da panificadora, do chuveiro estragado,
Ainda tenho que arrumá-lo. Tenho preguiça.
E do roteiro que ainda insisto em não terminar.
Percebi que faz um ano. Como foi estranho.
O seu perfume adocicado já não mais está presente,
Seus discos de new wave eu já doei,
O anel, penhorei.
Não quero apavorar a sua paciência
No entanto, ainda recebo as suas revistas femininas.
Se possível, cancele a assinatura.
Se não me quer passar o seu endereço, tudo bem,
Mas não desperdice mais dinheiro.
Nunca sei quando estou sendo melodramático, pior que novela.
Não se incomode, só queria dizer que ainda vivo.
Ainda tenho uma recordação sua: aquela foto.
Noite escura, boteco e cerveja. Lembra?
Foi a última. Agora fica saudade.
Rodopie linda com o seu vestido febril. Deixe as flores atingirem o seu rosto. Dancemos ao som de City Pavement. Fotografemos as faces em frias manhãs. Deitemos de novo em um ninho de edredon. Deslize devagar pelo meu pulso acelerado. Respire meu ar.
Um café da manhã em Vênus, acordando em Elizabethtown, como se fosse uma lenda. Ao lado do universo, ninguém tira as nossas chances. Temos sempre mais um habana blues, um tango, uma dança suja. Uma nova canção desesperada para apreciarmos. Um eterno registrado. Cada qual. Cada em si. Em mi maior.

Endoscopia.


Revirando esse jardim de cactus, arranco coices dos espinhos da sua mão. Pouso lento no áspero repousar de seus lençóis e recebo um açoite na jugular. Minha visão escure. Ouço um último acorde. Não identifico se era Peter Gabriel ou Genival Lacerda. De fato, estava muito confuso. Sigo revirando, mexendo, bisbilhotando. Percebo cartas não seladas, antigas memórias de carbono 14. Cuspo sensações estranhas, resquícios da noite retrasada. Tudo misturado. Tudo ao mesmo tempo agora. Titãs? Sim. Amor, quero te ver cagar.
Volto, retorno, choro. Um deles perfura meu tímpano que distraído deixa escorrer revelações. Maluquices. Doidices. Sandices. Serenata de prazer aos seus, que analisam as bases eletrônicas da contradição. Não cite O Jardim das Horas, pois estou com a Lurdez da Luz. Viro a página, como a palavra, devoro o fruto. Tenho agora em minhas unhas a sujeira da sua voz na cadência do seu samba embolado em um cigarro.
Continuo a revirar. Raízes arrancadas surgem dos cadernos de pintar. Azul claro decora a horta dos prazeres infantis. Sinto uma denúncia de pederasta, meio que lésbica, com toques heterossexuais. Sim, você está em minhas mãos, mas deixo os dedos deslizarem pela possibilidade que perco na pele mais células queimadas. Enfio no olho uma infinidade de luz que acaba refletindo uma cruz com um Jesus vestindo Lee e um sapatinho da 775. Putz grilis! Acho que agora estou voltando da anestesia.
E a vida se fez de louca, 
arrancou pela boca o coração e desperdiçou inúmeros momentos de alucinação. Arrastou-me para o espelho a figura invertida, me abriu uma ferida na perna esquerda e se transpôs em clorofila. Insetos medonhos expulsam as cáries dos meus dentes enquanto a canção que toca na hora errada é de uma lésbica apaixonada pela metáfora dos cabritos.
A faísca do retardado insiste em achar a resposta complexa do achado, mas são de idiotices que as luzes das incertezas aproveitam os vômitos dos condenados a fim de concluir burrices de absurdo. O traçado paralelo pulsa com disritmia e tropeça em um buraco que acaba com a tese. Os outros ainda procuram chamar e desistem por estarem atordoados. Mensagens cifradas cospem do retrato a poesia com sabor de asco que o asno rosna em um roçar de vocais.
O trunfo do fluxo de escárnio escorre pela boca que se esconde por ter razão da fúria do provérbio claustrofóbico. A ave em fogo sobrevoa o arquipélago dos perdidos que encontrados acenam beijos ao luar.
E a vida se fez de louca.

sexta-feira, julho 22, 2016

Meu dia em sem
Com o seu aquém
Outrora quisesse
Além contrário
Sem o constrangimento
Nem contentamento.
Noite sub-usada afora
Embora enxergue
Um escuro feliz.
Noturno desejo
No corromper característico
Daquele artifício
De um tom absurdo,
De um ouvido errado
E de outro surdo.
Um resquício de dor
Nesse mútuo prazer
Sem ressentimento achar
Esperando uma cor.
lsH

quarta-feira, julho 06, 2016

Tanta coisa para ouvir e eu repito os mesmos álbuns, como um círculo cretino que de maneira idiota eu giro. E muitas vezes roda afoito, não me permitindo aos tímpanos apreciar novas texturas. Várias pessoas fazem isso, mas no caso, com o amor, ou seja lá a definição que prefiram optar. O se permitir, ousar, se deixar levar, dá lugar aos clássicos dos anos 60, à facilidade beatlemaníaca, à comidade setentista, ao enjoado solo do Brian May e às eletroquinices oitentistas. Salve a bicha do Morrissey, sempre bom de retornar.

Um Beijo Russo


Do lábio a sua vodca, vagabunda.
Do meu, o bafo do pós-trabalho.
Do encontro, fluído de isqueiro
Enquanto sobe o nevoeiro.
Do olhar, o estrabismo alcoólico.
E dos dedos, a fumaça traiçoeira.
Da vivência o derramar da água
Que ardente amorteceu a queda.
Do vermelho a boca imunda
E da cintura um trago mais abaixo.
Dos dentes a mordida forte
E o sangue a escorrer embrigado.
Nada para pensar, 
a não ser 
aquele devaneio 
certeiro de amar, 
que dilui, eu sei,
 pelas entranhas 
do desejar, 
pelo saco do sentir, 
pelo escroto de despejar. 
Sabemos sim, mas 
seguimos 
o não 
em oração.

Calendário


Gira, gira, gira linda. Rodopia ao som do silêncio e esvazia a mente tentando um suplício. O travar dos dentes acontece ao mesmo tempo que o travar do tropeço. E o seu girar lindo fica estático no tempo. No espaço. No critério. Na ocasião. Na vida.
O calor esfria e ela pensa no vazio do corredor. Tira um samba dolorido e acompanha com vocalizes os deslizes do amor narrados pelo cantor. Observa a foto antiga em sua estante e, por um instante, se sente uma vitoriosa.
Vai até o banheiro e em frente ao espelho borra o batom em seu lábio, joga uma maquiagem mal desenhada e sorri. Fecha os olhos e fica a se imaginar em um baile colegial, quando era a preferida para se dançar.
Caminha até o calendário da cozinha e risca o dia 21 de outubro. Mais um aniversário ela comprova, sozinha.