Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

P.A.Z


Eu queria sentir uma paz sincera. Uma daquelas que deixasse a pele mais bonita, que deixasse o olhar mais brilhante, que é percebida pela pessoa menos sensível. Eu queria aquela paz que deixasse a caligrafia mais bonita. Aquela que deixasse o coração mais aflito. Que fizesse eu parar de fumar.

Eu queria uma paz que me fizesse pensar sobre as possibilidades da vida. Eu queria uma paz que fechasse a minha ferida, mas que não fosse passageira. Eu queria uma paz que me trouxesse amor, loucura, inteligência. Uma paz sem preconceito, com corpo, olhos castanhos, cabelos escuros e virgens. Eu queria uma paz que eu pudesse sentir naturalmente. Eu queria a paz dos anti-depressivos. A paz dos animais irracionais. A concepção de paz dos marginais, dos elefantes e das civilizações antigas. A paz do John Lennon.

Eu queria a paz dividida em duas partes iguais. A paz da Palestina e a paz de Israel. A paz da bala e do corpo alvejado. Eu queria a paz dos mortos e dos condenados à vida. Eu queria uma paz traduzida em prosa. Eu queria a paz do Bono Vox. A paz ingênua de uma criança. Eu queria a paz de um país que manda os seus filhos à morte em uma guerra oriental.

Eu queria a paz de um cirurgião plástico, de uma pessoa com o rosto deformado, de um nenê recém-nascido. Eu queria a paz da viúva negra que depois da cópula, mata o seu macho. Eu queria a paz de um motorista que acabara de atropelar um cachorro na rodovia. A paz dos evangélicos no momento da oferta. O momento sem culpa. A paz dos invertebrados. A paz dos ecologistas. A paz dos budistas. Eu queria a paz das anorexas. A paz das vadias, das dançarinas, das ninfetas. Eu queria a paz dos aidéticos.

Eu só queria uma paz sincera, com armas e com guerras que somente o coração pudesse escolher. Eu quero a paz reproduzida em um papel, em prosa e rimando como literatura de cordel.


Eu quero aquela paz


Leonardo Handa

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Separação


Na fraqueza o ser agoniza um último beijo. Fica ali jogado no chão molhado, esperando a ajuda da outra que apenas se faz, mas difícil não é. Ela gosta que os outros supliquem pelos seus lábios, doces, carnudos, alinhados e perfeitos. Ele rasteja como se fosse um soldado que acabara de perder a perna, solicitando ajuda, gritando de dor e chorando piedade. No olho da pessoa que continua em pé, seca, sem sorriso, sem dó, nada aparece tremular a sua sensibilidade. Nada a faz ter clemência. Ele cita versos de um livro que leu somente para agradá-la, mas o olhar continua impiedoso. Tenta outro Garcia Marquez. Em vão. A sensação que fica é de um buraco negro separando-o dela, tragando os derradeiros suspiros, soluços e poemas. A visão continua fixa na sombrancelha que demonstra através de seus sobes e desces descontrolados a frenética falta de carinho que surgiu ali, naquele beco com os paralélepipedos úmidos. E ele continua rastejando.

Um silêncio de três minutos é interrompido. Ela solta de suas cordas vocais uma frase que dilacera os tímpanos do pobre rapaz. Imediatamente as lágrimas vazam. Pior que ver um homem se humilhar, é vê-lo chorar, pensava ela. Ele levanta e tenta abraçá-la. Ela o impede. Ele insiste. Ela o chuta no lugar estratégico que causa uma dor oca acima do ventre do coitado. Ele murmura alguma coisa que ela não entende, pois a sua voz saiu tão fina quanto a do Michael Jackson. Falando nisso, o auto-intitulado rei do pop deve usar algum tipo de cueca que aperta permanentemente o seu saco, devido a sua voz quase sempre em falsete.

Ela continua a encará-lo com aqueles olhos perversos, de ódio, de satisfação, de medo, de angustia. Ele continua a olha-la com aqueles olhos de medo, de perdão, de amor, de admiração, de temor e agora, de prosseguimento de uma vida. Mas ela não quer, não deseja, desdenha, não suporta. Nem imagina a vida. As conversas entre os dois deixaram claro que ele a traiu. Puta que pariu a fraqueza de um homem perante a uma mulher que conversa mordendo os lábios e tomando martini. Sobretudo quando a sua saia deixa à mostra uma definida coxa bronzeada. Entretanto, isso não são desculpas nem argumentos a o quê ele fez. Traição é algo complicado de ser perdoar. Ainda mais agora, naquela situação, naquele beco, naquele molhado, naquele vão, naquela recém separação. Foi ali que ela cortou o seu próprio coração, dizendo a ele que estava grávida em sua primeira separação.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Desatino

É um tempo claustrofóbico. O raciocínio está virando sina. As linhas de pensamentos encontram congestionamentos intermináveis. Relaxamento, agora, é artigo de luxo. Foram tantas mudanças e despedidas que o cerébro demorou para assimilar a real situação.

O carinho escapa pelo ralo.

A mentira é mais um ícone na área de trabalho.

Novamente, o desejo é sumir do mapa invertido que foi desenhado nas costas fraturadas do destino que custa a aparecer. A sorte fugiu pela fresta da porta da sobrevivência.

Acordo pelo grito gerado na madrugada que esqueço. Não quero, mas preciso novamente da solidão abraçada com garra, força e desatino... Desato.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007


Uma das bandas mais importantes dos 1980 - com certeza - foi o Titãs. No início, oito cabeças (dinossauros) pensantes escorriam, destilavam, cuspiam músicas interessantes com um apelo poético nem sempre compreendido. Naquela época eles compuseram trabalhos clássicos, tais como Cabeça Dinossauro e Õ Blesq Blom. Na fase um pouco mais atual, já sem o letrista concreto repleto de sacanas geniais, Arnaldo Antunes, os titânicos lançaram o peçonhento Tudo Ao Mesmo Tempo Agora, que também é um clássico da escatologia sonora que eles já escreveram.
Pegando o comentário a respeito das músicas com letras nem sempre compreendidas, uma delas se destaca. Não pelo fato de ser confusa e, sim, pelo seu conteúdo aberto e de interessante interpretação. Nome Aos Bois é a penúltima canção do álbum Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas, lançado em 1987. A letra possui apenas nomes de personas non gratas de várias regiões do globo. O sentido que fica é que coisa boa não é. Do contrário não teríamos nomes como Adolf Hitler seguido de Borba Gato e Newton Cruz, ou então de Pinochet, Gil Gomes e Reverendo Moon.
Com levada claustrofóbica e gritada, a melodia falada é perfeita junto ao acompanhamento da música, sobretudo aliada à interpretação com períodos de desafinação do então baixista Nando Reis. É uma pena que na atualidade eles não possuem mais a genialidade de outrora. Os Titãs foram nos anos 1980 o que os Raimundos foram nos anos 1990. Mas, tudo acabou em bosta.
Segue abaixo a letra de Nome aos Bois:

"Garrastazu, Stalin, Erasmo Dias, Franco
Lindomar Castilho, Nixon, Delfim, Ronaldo Boscoli
Baby Doc, Papa Doc, Mengele, Doca Street
Rockfeller, Afanásio, Dulcídio Wanderley Bosquila
Pinochet, Gil Gomes, Reverendo Moon, Jim Jones
General Custer, Flávio Cavalcante, Adolf Hitler
Borba Gato, Newton Cruz, Sérgio Dourado
Idi Amin, Plínio Correia de Oliveira, Plínio Salgado
Mussolini, Truman, Khomeini, Reagan, Chapman, Fleury".

Ótima canção para ser analisada em alguma aula de Estética. Uma pena que os atuais acadêmicos de Jornalismo não se interessam mais nessa disciplina. Nem as próprias faculdades, afinal, a matéria está virando apenas "disciplina opcional". Que foda!

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Falsa-idade


Extravasa, meu bem. Joga na cara, cospe no rosto a angústia sádica. Violenta o corpo frágil adquirido em outros verões. Crave no peito as palavras de ódio. Faça-o sangrar outras verdades. Chega de esconder a falsidade. Encare os olhos e fale a verdade, na cara, com vontade. Vaze os sentimentos repreendidos. Deixe escorrer o veneno sem vergonha que você camufla nos lábios não pintados. Mas, venha com sede, não se deixe arrepender.
Não tenha dó. Pode jogar cinza de cigarro nos meus olhos. Pode me queimar com a brasa, com o isqueiro, com o ódio. Deixe-me ao avesso. Rasgue a minha pele. E faça devagar, somente para sentir o prazer de torturar. Apenas não minta mais a respeito do desrespeito que você sente. Não preciso mais de tapinhas nas costas. Caso quiser, bata com um martelo. Eu já sei da inveja. Agora eu quero a violência.
Extravasa. Cospe. Violente. Crave. Sangre. Encare. Vaze. Sem dó. Jogue. Queime. Rasgue. Torture. Brinque comigo. Pode brincar, eu deixo. Porém, faça dessa sua falsa-idade uma verdade. Afinal, já somos adultos o suficiente. Chega de papos paralelos a respeito da minha pessoa. Venha e fale na cara. Mas, venha com vontade.