Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

terça-feira, agosto 24, 2021

Nós clamamos por atenção. Às vezes somos tão individualistas que queremos ser o centro, assim como a Igreja recitava na época medieval que o Sol girava em torno da Terra. Galileu precisou se retratar.

Com o tempo, nós, também nos retratamos, afinal, existem pessoas que giram ao nosso redor, ao invés de nós, girarmos ao redor deles. Mas quando percebemos, é tarde. Mesmo assim, mesmo com essa metáfora esclarecida até demais, queremos a atenção, seja em forma de carinho, afeto, abraço, dizeres, fraternidade e, acima de tudo, amor.
Pena que não valorizamos. Pena que os outros não valorizam. Pena que não nos entregamos. Pena que só vemos quando se apaga. Pena que não giramos mutuamente, para assim, a forma ser completa como um círculo deve ser, como uma rota deve ser, como uma órbita a conter o giro exato para se findar, repleto de começos, recomeços e afins.

domingo, agosto 22, 2021

Terça-feira. 21h39. Meu radinho toca uma canção do Nick Drake, o que me faz pensar naquele amor que deixei no litoral, num dia cinza de setembro, todo molhado pela lágrima de um São Pedro traído. Os barcos voltavam sem peixes e os rostos dos pescadores eram de tamanho descontentamento que até Hitler ficaria com pena. Lembro de ter olhado no fundo de sua pupila e lido um sentimento de desespero, mas com um resquício de esperança adocicada pela bala que você mordia.

O vento do mar levantava o seu cabelo castanho e você passava a língua nos lábios, como se estivesse sentindo o gosto do sal que era transportado pela brisa. Aos poucos os pescadores amarravam as suas embarcações. Assim que terminava mais um dia, o sorriso ia retornando às faces, cada qual contentes por ter a certeza de que uma morena estaria esperando na porta de casa, com o jantar pronto e todo o carinho possível para oferecer. Eu tinha comentado exatamente isso enquanto a nuvem mais pesada foi se diluindo no céu, dando lugar à primeira estrela a surgir. Aquela cena dos pescadores indo embora, não sei porque, chamou a sua atenção. Presenciei uma lágrima. Cheguei mais perto e te abracei com todo o calor que pude proporcionar. Você retribuiu.
O feriado estava acabando e o meu retorno era necessário. Lembro de ter te deixado naquela praia. Foi a última vez que te vi. No ano seguinte a maldita doença levou a sua presença e o que sobrou eu ouço todos os dias: essa canção do Nick Drake que não sai do meu radinho. Agora o pescador sou eu, retornando de um mar sem peixe e sem uma morena para dar o carinho necessário. Mas, no fim das contas, sabemos que é preciso fases de tristeza para termos períodos de felicidade. Um é complemento do outro. Um pro outro.

Vai doer

Derrame essa lágrima em sua taça de conhaque. Beba pelo amor que deixou escorrer pelos dedos, pelas entranhas, pelas castanhas em sua boca, pelo medonho que te acompanha nas madrugadas. Faça tudo lentamente, nem tente apagar rapidamente, que a criatura da dor será mais persistente.
O momento trará a carência, tenha certeza. Pegue na mão dela e vá passear. Abrace-a e durma de conchinha. Apesar de gelada, é necessária. E, quando novamente a lágrima cair, misture ao café e deguste.
Ao entrar no Facebook e vê-lo com seu o status de relacionamento alterado, vai doer. Com certeza você vai olhar o Mural dele. Vai doer. Lógico que olhará novamente suas fotos. Vai doer. Não terá remédio que ajude, nem o Rivotril para te ajudar a pegar no sono. Pegue seu pijama, faça um chá e vá dormir.
Ao caminhar na rua, com seu vestido dado de presente e, caso encontrá-lo com seu grupo de amigos, respire. Caso tenha força, encare. Caso não, fuja. Sua casa tem um sofá confortável e uma coleção de comédias românticas que ajudarão no sofrimento do momento. E, claro, vai doer.

Depois de alguns meses, talvez passe. Leva muito tempo para superar uma traição. Mas passa, No entanto, vai doer.


sexta-feira, agosto 20, 2021

Inferno Astral

 Vou bailando torto

Pelo corpo
Que me aguenta.
Vou cantando morto
Pela boca
Que me arrebenta.
Vou chorando louco
Pelo olho
Que me afugenta.
Vou catando oco
Pelo coração
Que me ensanguenta.
Vou fingindo bobo
Pelo sentimento
Que me sustenta.
Vou sofrendo doido
Pela cabeça
Que me desorienta.
lsh
20 de agosto, 2019.

terça-feira, agosto 10, 2021

Penso que o amor inconsequente é o amor absoluto. O tema, já descascado por vários, ainda rende muita renda para novos panos. E, quando tratado por um diretor jucundo como Wes Anderson, o bicho pega. "Moonrise Kingdom" possui e revela destreza que o sentimento, quando fugaz e sincero, emana na junção de dois corpos que se permitem em ser únicos.

O retrato figurado em arquétipos infantis, não obstante de atitudes da fase já conhecida, é cheio de lirismo e hiperbolismo que não ferem, só aguçam os olhos daqueles que se permitem gostar. Não por acaso, o amor é considerado o centro e, percebo, por isso a escolha do diretor em trabalhar uma fotografia e uma cenografia baseada em elementos centralizados dentro do seu quadro (câmera). O resultado é unicamente belo e delicado, como a aventura que o amor é: expresso nas ressalvas dos personagens principais. Por isso que somente ele constrói, como frisavam determinados poetas.

A arte da violência

Violência feliz em versos de pura exacerbação fantástica. Como um vídeo da Björk. A cada palavra, uma facada no olho. A cada sílaba, um corte na narina. A cada frase, um rasgo no rosto. E assim vai dilacerando as outras partes do corpo.

O sangue segue escorrendo calmamente, lindamente e sagazmente.
Violência feliz em conversas que agridem através de verborragias certeiras. Um tiro no cu de dor e pólvora. Uma metralhadora sonora continua a estraçalhar o sexo mais virginal de mocinhas inocentes e carentes. Muitas já levaram uma dedada dos seus pais. Mas é o texto marginal que as consolam. E arranca lágrimas de carnificina gratuita.
O sangue segue escorrendo calmamente, lindamente e sagazmente.
Violência feliz como um filme do Lars Von Trier que em sua depressão recolhe as ideias mais infelizes da tradição de agredir o ouvido. Um ataque parecido com o do Guy Ritchie em Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes. Ou pior, como as películas de Park Chan-Wook, aquele que dirigiu os socos no estômago que são Old Boy e Lady Vingança. A Coréia do Sul nunca mais foi a mesma após esses dois desbundes. Verdadeiros deslocamentos de úteros realizados por uma pica de elefante.
O sangue segue escorrendo calmamente, lindamente e sagazmente.
Violência feliz nas melodias de Michael Stipe. Claustrofobia infantil de criança recém estuprada, abusada e gozada. Característica de agressão nos versos de Tori Amos e sua insistente ousadia de mostrar as marcas da violência sexual em sua vagina entre-aberta. A voz e o piano tiveram mais significado depois que ela surgiu no mundo musical. Ampliação lírica no estraçalho não puritano de Fiona Apple. Entranhas agora deixam que os vermes saiam comendo vulvas, grandes lábios e pentelhos. Mesmo assim...
... o sangue segue escorrendo calmamente, lindamente e sagazmente.

Existem coisas que não são explicáveis e, mesmo assim, são aplicáveis. A dicotomia do inexplicável pode ser relativa, mas a obtenção da solução é loucamente procurada. Alguns não dormem, outros levam a situação com tamanho desapego que a interferência não causa sequer cócegas. De toda a maneira, os mistérios da carne podem ser belamente consumados quando aquele sentimento forte é a verdade. Eis a tal resposta, mesmo que efêmera em determinadas circunstâncias. O que vale, portanto, é o aproveitamento do momento, enquanto dure, perdure, perfure, ature e dilui.

Incrível como certos não evaporam. E deve ser isso que chamam amor.

Qual é mesma aquela frase do Wilde? Aquela citada no início de um clipe do Smashing Pumpkins? "O mistério do amor é maior que o mistério da morte"? Cabe aqui, contudo, outra do autor: "viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe". Quando a gente se encaixa nesse gênero, surge aquilo que denominam tristeza. Ou não? Não sei.
A gente vai, admirando covardes, perdendo ligações, não dizendo sentimentos e perdendo argumentos. A gente vai, com vontade de chamar e não chamando, esperando iniciativas e não agindo, aguardando sinais e ignorando outros. E a gente vai, com dias e adeus.

domingo, agosto 08, 2021

Belas

Negras, belas
Em tabelas
De contas
A massagear:
Olhares, egos,
Nos mais
Lindos passeares.
Em lares, bares,
Cidades,
Com saias
Floridas
De pétalas norteadas
De puro
Encanto
Em todos os cantos
Que os prantos
Ousam parar
Só para vê-las
Elegantes e galantes
A cantar.  
Pense que ainda existe amor.
Está na esquina, no copo do bar.
Ali debaixo do nariz, do chafariz.
Nos deslizes da mão do jogador.
Pense que ainda há.
Permanece em Bagdá
No coração do homem bomba
No olhar das pessoas de lá.
Pense que ainda existe amor
No carro que só pega no tranco
Em sua pele morena do sol
Nas ruas da cidade de Pato Branco.
Pense que ainda existe
Consiste em observar
Perto daqui, longe do mar.
No simples ato de se abraçar.