Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

quarta-feira, fevereiro 23, 2022

 Não precisa. Estou à deriva.
Estou derivando do veraneio.
Não necessita, estou tranquilo.
Estou à base do corriqueiro.
Não tenho pressa, eu sou preza,
Apressado conteúdo de sutileza.
Não precisa entrar, estou alheio,
Hoje me interno no devaneio.
Estou sozinho a contento
Não quero fixo, nem bloqueio.
É claro que um dia também quero
Mas procuro calma sem receio.
Daquele artifício
De um tom absurdo,
De um ouvido errado
E de outro surdo.

Todo zen

Um copo de conhaque acompanhado de uma tosse chata. A voz rouca por causa dos muitos cigarros e do exagero da noite passada. A meia-luz serve de distração para o inseto que nem percebe a sua real insignificância. A janela um pouco aberta. Apesar do frio, muito odor no quarto de um prédio de classe-média. A fumaça vai bailando encontrando o ar da rua que insiste em ser a veia dos poluentes mecânicos.
Acho que estou com um pouco de febre, sei lá. O bicho na lâmpada está começando a me incomodar. Logo esqueço. Leonard Cohen amortece os meus tímpanos e eu, em transe, me transporto para um campo de aveia. Fecho os olhos. Estou correndo sem direção alguma, só sentindo o vento morno adentrando os meus poros faciais. Sigo como um alucinado acreditando ser o humano mais feliz do mundo somente por causa do sol em meus lábios. O azul do céu é de um absurdo tão belo que praticamente esqueço que existem outras cores. O bardo canadense continua embalando, satisfazendo a minha sensação única de liberdade total. Trilha sonora perfeita para o meu exercício de relaxamento mental. Não sei mais onde estou. Não estou em São Paulo, não estou em um apartamento, não sinto cheiro de asfalto, não sinto o meu cigarro. Mas sinto o cheiro de mato, o calor na minha pele, a brisa em meus braços. Eu sinto um paraíso ao meu redor, o som de um riacho e de pássaros. Abro a boca para tentar engolir o ar e... Cof! Cof! Cof! Mas que inseto filha da puta!

quinta-feira, fevereiro 03, 2022

 Eu quero a marginalidade em fratura exposta no meu corpo novamente. Desejo sentir na mente a inconsequência de não me arrepender pelos atos, independente dos fatos. Peço pela clemência do alcatrão que corrompe a minha garganta. Espero sentir outra vez o sangue das minhas mãos. Quero fumar Tom Waits. Quero rasgar Lou Reed. Quero dilacerar Ginsberg. Eu quero tudo sem culpa, incluindo o exagero dos versos, da pronúncia errônea e da falta de coesão. Eu desejo a leveza bêbada que eu não consigo entregar, pois insisto em me controlar e não me deixo levar pela embriaguez que outrora sobrevivi.

Cadê aquele jovem com pensamento velho de safadeza aflorada, como se estivesse copiando descaradamente o Bukowski? Não percebi o momento em que deixei a gagueira insossa do cotidiano me domar as rédeas cavalares, antes soltas de prazer. Pior que não encontro o período quando me deixei perder pela falta de agir enquanto via o status quo morrer. Por que eu perdi aquele lema de que ser feliz sozinho era realmente ser feliz? Bastava um gole de cachaça para lembrar e elucidar a clareza da vivência. Afinal, o apelido de demônio da garrafa não era mera licença poética, era concreto objetivo que tatuado ardia de alegria no cerne.
Eu quero o foda-se!
Você não precisa de snapchat
Quando se tem essa memória efêmera.
Apenas do Photoshop,
Caso queira se eternizar,
Mesmo sendo linda
Sem o Boticário.
Você já tem todos os corações do Tinder,
Mas lhe falta um de verdade.
Você não compartilha o seu amor
Pois o seu beijo é puro blefe.
Você não precisa
De mais curtidas
Já que o seu sentimento
É um link patrocinado.
lsH 

Os deuses

 Coisas belas e sujas

Você cuida
Com suas mãos.
E a criança
Que chora solidão
Só quer um afago
De gratidão.
A prima da esperança
Em combustão revela:
eu vou te ninar,
Mas espere o amanhã
Porque agora
Um pouco vou sangrar.
E o doce alvorecer
Não dá o bom dia desejado
E outra lágrima cai
Do andar mais alto.
A filha aguarda o pai
Que amargurado é revelado
Um novo soldado
De um deus maltratado.
Por isso que amargurado
Deixa para a segunda-feira
O carinho suplicado.
lsH.