Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

terça-feira, novembro 08, 2022

Um caso por acaso
Causou um desabar.
Fracasso em sentir
Um bom gostar.
Travado um soltar
De sentimentos
Repudiou o decepcionar.
Abriu os olhos
A falsa esperança de criar.Um caso por acaso
Causou um desabar.
Fracasso em sentir
Um bom gostar.
Travado um soltar
De sentimentos
Repudiou o decepcionar.
Abriu os olhos: a falsa esperança de criar.

segunda-feira, outubro 31, 2022

O amor é uma jactância. Deixa a verruga peluda de um rosto qualquer em imperfeição bela, o detalhe completo para o desenho da cara. Torna a saliência lateral do pé no joanete mais lindo que alguém já teve. O amor é de uma bobeira incrível. Transforma metaleiro em poeta, poeta em best-seller, best-seller em filme, filme em sucesso e sucesso em dinheiro. O amor é ópio, alimento insalubre.
Hoje lembrei, ao acordar, de escrever uma carta.
Coloquei a água para ferver e preparei o meu café.
Lembrei das noites mal dormidas, dos dias sofridos.
Dos cigarros derrubados no chão, do cinzeiro transbordando.
O sol perfurou a janela e o raio entrou sem pedir licença.
Não sou observador, confesso, muito menos sentimental,
Mas a cena me pareceu um sinal. Lembrei você.
Iniciei os agradecimentos, os olás, o tudo bem.
A fumaça do café se misturava com a do cigarro.
Contei um pouco da rotina que ainda acabará me matando,
Dos estranhos que acabo entregando intimidades,
Da moça da panificadora, do chuveiro estragado,
Ainda tenho que arrumá-lo. Tenho preguiça.
E do roteiro que ainda insisto em não terminar.
Percebi que faz um ano. Como foi estranho.
O seu perfume adocicado já não mais está presente,
Seus discos de new wave eu já doei,
O anel, penhorei.
Não quero apavorar a sua paciência
No entanto, ainda recebo as suas revistas femininas.
Se possível, cancele a assinatura.
Se não me quer passar o seu endereço, tudo bem,
Mas não desperdice mais dinheiro.
Nunca sei quando estou sendo melodramático, pior que novela.
Não se incomode, só queria dizer que ainda vivo.
Ainda tenho uma recordação sua: aquela foto.
Noite escura, boteco e cerveja. Lembra?
Foi a última. Agora fica saudade.
_Nada demais em pensamentos outrora. A viagem acabou, o dinheiro também, e o sexo não foi bom. O pessoal se mandou. A sala está bagunçada, o disco está riscado. A faixa que pula é aquela que você não gosta. O disco? Aquele que você detesta.
O sol está surgindo. As preces, continuam. O embargo da voz engole a derrota, o choro, o fracasso. Mas o dia vem e apesar do tsunami nessa casa, a esperança enche novamente esse copo de vodca. Nada melhor do que a coragem líquida para embalar a situação.
_Um cigarro está aceso, alguém saiu de fino. O fino eu acendo. A viagem retorna, o dinheiro transborda e o sexo volta a ser bom. O pessoal retorna. A sala está cheia, o disco toca normalmente. A faixa é aquela que você gosta. O disco? Aquele do Traveling Wilburys.

O sol se despede. As preces, esquecidas. A voz vira grito e a derrota é bebida, o choro, vomitado, e o fracasso, foda-se. O tsunami abençoa os seus quadris, a esperança fica linda nesse copo de vodca. Nada melhor do que prosseguir com a coragem líquida para enaltecer a situação. 

sábado, julho 30, 2022

Marlboro


Ali de bobeira

Encostado no muro

Meu sangue quente

E o seu filtro me chamando.


Tenho em mente a maldade

A crueldade dos anos

E as consequências do agora

Mas você me satisfaz,

Muito mais que não demora.

Não demora o meu prazer

Não demora o meu fazer

Não demora o seu caráter

Não demora o seu querer.


Ali de bobeira

Deitado no capô

Vejo as estrelas adormecerem

Enquanto te beijo calmamente.


lsH


sábado, julho 23, 2022

A vida é repleta de chegadas e partidas. E dizer adeus a um progenitor nunca é fácil. Não aprendemos isso na pré-escola, muito menos nos Ensinos Fundamental e Médio. Na faculdade, geralmente, as coisas começam a degringolar. O fato é que as pessoas se vão.
Lembro em flashbacks quando tive que manifestar o meu primeiro tchau. Eu estava na graduação, cursando Jornalismo. Era uma noite muito chuvosa. Quase madrugada, o telefone tocou. A voz embargada do outro lado da linha murmurou: - Léo, não deu. O pranto se tornou um choro tão doloroso que só de recordar rasga a garganta, como se um gato de unhas afiadas deslizasse pelas minhas paredes de carne. Pior foi dar a notícia para minha mãe. Ouvir o seu desespero me deixou ainda mais triste, como se aquele sofrimento catalisasse nas paredes do quarto.
Como minha avó morava em outra cidade e estávamos sem carro naquela época, tive que agilizar o mais rápido possível uma condução. Foi tenso. Ao mesmo tempo que eu realizava ligações, as lágrimas me faziam companhia. Naquela madrugada eu ouvi muito Coldplay, aquele segundo disco, o branquinho. Até hoje ele é um misto de boas e más recordações: um amálgama de sentimentos díspares, mas também reconfortantes.
No fim, a música do Chris Martin (que piegas revelar isso) ajudou a fechar os canais lacrimais. Sempre gostei de uma fossa, no entanto, aquela eu nunca desejaria ter sentido. O detalhe aqui é que a canção ajudou. A vida é repleta de chegadas e partidas. E, para a morte, nunca estamos preparados.
Hoje fiquei muito triste ao saber que a avó de uma colega de trabalho faleceu. Por isso lembrei dessa história e dos versos que reverberaram muito tempo em minha massa cinzenta: Sing it please, please, please / Come back and sing to me / To me, me.
O objetivo das mídias sociais não era o de aproximar pessoas? Mas em época de política, pelo menos no Facebook e no Twitter, está acontecendo o inverso. Nego-me a aceitar que esse seja o futuro. Só se fores o futuro imperfeito do indicativo, literalmente falando.
Tudo bem que se trata de um belo espaço para expor opiniões e travar lindíssimos confrontos palavreados. Porém, é preciso conteúdo. Afinal, a politica é uma ciência, bem mais simples do que imaginamos, que na prática ganha contornos abstratos e terríveis devido aos jogos de interesse, aos desvios de verbas, aos meios de comunicação, às agências de publicidade e toda aquela clicheria exacerbada que os afoitos entoam em uníssono. Estás sendo alimentador de conteúdo o meio? Quem acredita nisso afinal?
A boca de urna apenas mudou de meio: do físico foi para o virtual. O debate talvez tenha ganho outro tipo de sentido que, eu sinto muito ter surgido. Ainda prefiro as piadinhas, porque o conteúdo verdadeiro é encontrado em outro canal. E não será você que mostrará o contrário. Nem a sua agência de comunicação.

Hit do Câncer

 

Breu no infinito solitário
Com pequenos pontos mais escuros
Que são cânceres
Devorando a ilusão metafísica.
Os olhos agora se fecham
E o corpo encontra
A paz que alguns conhecem.
Os vivos continuam a imaginar.
Uma manhã de verão
Derretendo o tempo acelerado
Enquanto a caixa desce
E a terra cobre o fim.
Lágrimas bebidas com vozes
Que procuram acalmar
Os mais exaustados.
Sento no vazio e abraço o nada
Achando que se trata de consolo, mas não é.
É apenas a solidão revisitada, ampliada e regravada.
Não é você que
esquece as pessoas.
São elas que
esquecem você,
talvez,
com porquê,
mas você
não vê.
 Na esquina, a mãe procura pelo alimento. A criança, em casa, chora. No bar, o guri gasta o seu dinheiro de estagiário. O dono, comemora. Na velha vitrola toca Elvis. O velho, rebola. Na sala de jantar o casal delicia um arroz à grega. A mulher, sorri. No termômetro a temperatura marca 6,5. O menino, pensa: amanhã, nada de aula. No céu a lua encoberta pelas nuvens de chuva. O solo com grãos novos agradece. Na rua um garoto tenta a vida. O homem casado, que topou o programa, se lambuza. No livro um verso de amor emociona a dona de casa. Ela chora. Na varanda as gurias se beijam. Uma delas, no entanto, quer terminar. E, enquanto isso, eu aqui no meu quarto, penso no seu abraço.

sábado, junho 25, 2022

 Melancolia minha, daquilo que vivi ontem, ou daquilo que vivo agora.

Melancolia nossa, tão ausente quanto tu.

Melancolia outrora, futuro breve, obtuso instante.

Melancolia a noite e ao dia.


Melancolia boa deste momento

Melancolia ótima para refletir

Melancolia incrível para amar

Melancolia linda ao vento.


lsH

 Madrugada. Sei lá que horas. Estou sem relógio, sem celular e sem carteira. Meus documentos, não tenho ideia. Eu só lembro de nós dois. E, mesmo assim, nada sei. Após a briga, acho que fui afogar a dor de cotovelo. 

No posto de combustíveis, nessa beira de estrada, toca R.E.M. Uma rádio FM qualquer sintonizada. Um caminhoneiro retorce o rosto. Não entendo se é por causa da música ou da minha presença.

No bolso, uma carteira de Marlboro pela metade. Nas mãos, um isqueiro Zippo falsificado. No céu, tantos pontinhos piscando que imagino: se não tiver vida em outra constelação tudo isso é um tremendo desperdício de espaço. Será que os ETs louvam algum deus? Pensamento sem noção para o momento. 

Michael Stipe não se cansa de dizer que "sometimes everything is wrong" e o caminhoneiro continua com a mesma cara, um misto de que acabou de peidar com contemplação de assassinato, seja lá o que isso signifique. Nem lembro o que estou fazendo aqui. Apenas sei que é madrugada. 

Procuro alguma pista. Vou até o banheiro, ligo a torneira e molho meu rosto. No relance que tenho com o espelho, visualizo uma marca de batom no pescoço. Vermelho. O lábio está um pouco rachado, como se eu tivesse beijado por longos minutos e, após, pego uma friagem sulista daquelas que dá inveja aos catarinenses. Acendo um cigarro. 

O caminhoneiro invade o recinto. Pergunta: - e então, era gostosa? - Quem? - Indago. - Aquela linda ruivinha que te largou aqui. - Maldita puta!

Aí eu lembrei. Tinha acabado de ser roubado.

 Eu vou fumar todos os cigarros. Vou desaparecer com a fumaça. Vou consumir todos os remédios. Vou sumir com a ansiedade. Vou procurar todos os métodos, vou seguir nos erros. Vou revirar os vodus. Vou beber a macumba. Vou ao submundo. Vou morrer para ressuscitar. Vou beber aquele veneno. Vou tragar todas as derrotas. Vou viver a mesma situação. Vou amar outra pessoa. Vou prosseguir como estorvo. Vou seguir como perdido. Vou chorar a mesma música. Vou escrever um novo roteiro. Vou estraçalhar o meu peito. Vou cuspir o azedo. Vou dar um beijo seco. Vou chupar o amargo. Vou contar os segundos. Vou atirar nos minutos. Vou atropelar um coração. Vou sofrer o caramba. Vou reviver o futuro. Vou viver o passado. Vou praticar o presente. Vou me perder na estrada. Vou pedir uma carona. Vou viajar pelo deserto. Vou ser amigo da solidão. Vou encontrar a derrota. Vou cortar a cabeça. Vou cheirar óleo diesel. Vou ressecar o olho. Vou furar a mão com um prego. Vou subir uma montanha de pó. Vou sorrir a tristeza. Vou desapegar o contato. Vou desejar um abraço. Vou querer muito mais. Vou pensar no roçar de pele. Vou querer algo mais. Vou lembrar de você. Vou novamente sofrer. Vou correr pelas escadas. Vou encontrar o topo. Vou pular no abismo. Vou cair com os olhos abertos. Vou dormir para te achar. Vou sonhar para viver.

 Até de amor nos curar


Nada se compara a você.

Eu queria ter um derrame de amor,

Por ti.


Meu rádio toca a mesma canção

Meu tímpano está viciado

E o meu corpo também.

Por ti.


Respiro aquilo que te cheirei

Do peito até sua nuca

Da tatuagem até a virilha.


Nada se compara a você

E tenho medo

Que tudo será comparado,

Nos próximos,

Nos outros,

Nos vácuos.


Eu queria ter uma ferida contigo

Que continuasse aberta

Até de amor nos curar. 


lsH

 Na aventura dos sentidos

O tempo resgata os perdidos

E aquele ali, que antes 

Escrevia poesias marginais

Agora elabora discursos

Para os petistas. 


E o calor de seus lábios

Hoje esfriam o amor

Que os direitistas, ora exacerbados

Portanto cancelam

Gritos exacerbados.


No trajeto da sua letra

Algo ecoa nesse ouvido

Porque no outro, eu duvido

Que a Marina vá profanar.

Mas na aventura dos sentidos

O tempo resgata

Até os esquecidos

E a dança cega da digitação

Far-se-á breve, por obrigação.

 Já fomos mais inteligentes

Já fomos mais sagazes

Já fomos mais felizes

Já fomos mais interessantes

Já soubemos escrever.

Já soubemos interpretar.

Já fomos mais leitores.

Já fomos mais amáveis

Já fomos mais amantes

Já fomos mais sorridentes.

Já soubemos distinguir.

Já soubemos brincar.


Já fomos mais futuro

Hoje somos saudosistas

Para o bem e para o mal

Até a morte, amém. 

lsH

domingo, maio 01, 2022


é o que temos pra hoje, seja como for.
das canções do exílio, meu exímio distorcido.
do sofá a visão periférica
e ao seu lado um sorriso
e do outro, um largo ferido.
das pessoas daqui um beijo,
bem doce com o amor que precisamos,
mas nem sempre é assim:
criaturas são duras no interior.

A Besta


Você pode me dar
Um minuto do
Seu silêncio?
São tantas besteiras
Faladas por aí
Que eu apenas
Peço isso.
Não precisa falar
Sobre tudo
Pode-se calar
Para o nada.
Você não é
O que pensa ser,
Você é besta
Que se acha fera.
lsH.

terça-feira, abril 26, 2022

Ele estava lá enquanto os fogos anunciavam
Sabe-se qual o motivo para o entusiasmo.
Seus olhos refletiam a solidão da sala
Enquanto brindes eram comemorados.
Apesar de presente, a mente se encontrava ausente
E em outro lugar seu pensamento voava.
Não tinha casa alguma que gostaria de dormir
A não ser aquela que bucólica imaginava.
Vieram abraços que eram estranhos, mas não temia
Haviam sorrisos que distraídos não o atraíam.
Bebeu seu último gole de sidra azeda
E abriu a porta para uma tentativa de fuga
Queria o passado naquele momento
Quando seus pais compravam pijamas
E seus irmãos comemoravam o ato simples.
Perdido ele atravessou a rua
E na encruzilhada avistou a lua
E como milagre algo rasgou o céu
E sua falsa esperança desapareceu.
 Eu quero a sua pele exposta em mim, agora. Quero sentir o respiro de cada poro, como pequenas explosões de satisfação. Quero te fazer gozar com a precisão mais cirúrgica que o Pitangui já proporcionou. Quero retirar do seu hálito o gosto novo inventado na minha boca. Quero proporcionar o amor mais afoito nas horas mais improváveis. Quero arrebentar em decibéis o seu tímpano, com inúmeras frases que versarão sobre o sentimento maior: o amor. Quero te chatear e te cansar com as minhas asneiras e baboseiras a respeito do gostar. Quero te encher de guloseimas sentimentais e te abusar nas madrugadas de chuva. Quero embebedar o seu olhar com os gestos mais cafonas que o romance pode enobrecer. Quero viajar em seu corpo e utilizar a minha língua em cada dobra que eu encontrar. Quero me aperfeiçoar na melhor breguice que uma canção pode ocasionar. Quero me fortalecer na fúria de seus lábios enquanto o futuro aguarda o mais belo sorriso que nenhum dentista ousará interferir. Quero a sua biologia de noite e de dia. Quero o seu cantar bem colado no meu ouvido. Eu quero a sua tez morena cada vez mais ligada à minha satisfação de te ver sorrindo.

domingo, abril 24, 2022

 No atraso das horas eu perco a consciência na alta madrugada que absorve. A fumaça do cigarro encobre a face suja que eu deixei em seu lençol. Antes de partir, escrevi em um guardanapo os lamentos que eu sempre sofri, sempre guardei, sempre vivi. Espero que leia até o fim. Não tenha tanta certeza quanto ao meu retorno, um pouco de suborno talvez ajude, mas a certeza nunca foi uma grande virtude do meu ser. A única certeza que eu tenho é o incerto que eu sou. Se você é mais sentimental do que eu, isso eu sei. Porém, minhas lágrimas são mais sofridas. Não tive coragem de pôr a sua casa em minha sacola e nem te levei para ver o mar. Ainda estou na fila do pão lendo jornal e tragando um cigarro. Eu sei o que é ter e perder alguém. Tanta dor eu senti e o outro alguém é meu conhecido. Eu também pequei pela vontade, mas o amor de verdade evaporou com o chá quente que você não tomou. Sair de casa é se aventurar, já que maldizeres você me causa. Não quero ficar nesse sofá. Todo carnaval tem o seu fim e a minha quarta-feira de cinzas nunca acaba. Todas continuam em um cinzeiro que conservo como relíquia. Eu deixo tudo assim mesmo, não me acanho em ver. Eu gosto do estrago. E nem se atreva a me dizer, eu não entendo do samba e você muito menos do Noel Rosa. Você deve achar que é uma grife brasileira instalada em Londres. Eu não vou mudar, eu vou ficar só. Não segure a minha mão e veja só como tudo se acabou. O barraco desabou. Tudo está assim.

 Não mando notícias, não mando nada. Não mando nem no famigerado coração. Não mando em ninguém, não mando amém. Não mando nem em auto-combustão. Não mando na Sarah, não mando na Ella, não mando na Elis, não mando na Etta. Não mando tomar no cu. Não mando em ti. Não mando em mim. Não mando à merda, não mando ao céu, não mando ao inferno, não mando no filho. Não mando na mãe, não mando em bandos, não mando em você. Não mando beijos, não mando abraços, não mando em canções, não mando em lágrimas, não mando gostar. Mas se gostou, obrigado, pois pelo menos mandarei amar

lsH
A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal…
Quando se vê, já terminou o ano…
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado…
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas…
Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo…
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.
Quintana.

quinta-feira, abril 14, 2022

Sexta-feira Santa

Faço algo para me distrair.
Espantar essa coisa coisada nos olhos.
Esse líquido de sono que escorre.
Esse bocejo que não me socorre.
Faz tempo que penso em algo para me consumir.
Uma ira aguda na garganta. Um tiro na narina. Um barco sem marina.
Fico um bom período sem imaginar.
Mas insiste um sonho.
Um furo no peito.
Um espaço sem leito.
Frasco vazio está presente no momento.
Um moinho sem vento.
Nordeste sem sertão.
Gaúcho sem chimarrão.
Fracasso é o perceber do agora.
Comemoração sem vitória,
sonho sem dormir,
coração sem sangue,
lábios sem sorrir. 

quinta-feira, março 17, 2022

Fim

 É tanto vazio nesse espaço cheio
É tanto desamor nesse amor
É tanta sofrência nessa alegria
É tanta felicidade nessa tristeza
É tanto amigo nessa solidão
É tanta falsidade nessa realidade
É tanta falta nessa plenitude
É tanto concreto nesse verde
É tanta abstinência nessa bebida
É tanto início nesse fim.

quarta-feira, fevereiro 23, 2022

 Não precisa. Estou à deriva.
Estou derivando do veraneio.
Não necessita, estou tranquilo.
Estou à base do corriqueiro.
Não tenho pressa, eu sou preza,
Apressado conteúdo de sutileza.
Não precisa entrar, estou alheio,
Hoje me interno no devaneio.
Estou sozinho a contento
Não quero fixo, nem bloqueio.
É claro que um dia também quero
Mas procuro calma sem receio.
Daquele artifício
De um tom absurdo,
De um ouvido errado
E de outro surdo.

Todo zen

Um copo de conhaque acompanhado de uma tosse chata. A voz rouca por causa dos muitos cigarros e do exagero da noite passada. A meia-luz serve de distração para o inseto que nem percebe a sua real insignificância. A janela um pouco aberta. Apesar do frio, muito odor no quarto de um prédio de classe-média. A fumaça vai bailando encontrando o ar da rua que insiste em ser a veia dos poluentes mecânicos.
Acho que estou com um pouco de febre, sei lá. O bicho na lâmpada está começando a me incomodar. Logo esqueço. Leonard Cohen amortece os meus tímpanos e eu, em transe, me transporto para um campo de aveia. Fecho os olhos. Estou correndo sem direção alguma, só sentindo o vento morno adentrando os meus poros faciais. Sigo como um alucinado acreditando ser o humano mais feliz do mundo somente por causa do sol em meus lábios. O azul do céu é de um absurdo tão belo que praticamente esqueço que existem outras cores. O bardo canadense continua embalando, satisfazendo a minha sensação única de liberdade total. Trilha sonora perfeita para o meu exercício de relaxamento mental. Não sei mais onde estou. Não estou em São Paulo, não estou em um apartamento, não sinto cheiro de asfalto, não sinto o meu cigarro. Mas sinto o cheiro de mato, o calor na minha pele, a brisa em meus braços. Eu sinto um paraíso ao meu redor, o som de um riacho e de pássaros. Abro a boca para tentar engolir o ar e... Cof! Cof! Cof! Mas que inseto filha da puta!

quinta-feira, fevereiro 03, 2022

 Eu quero a marginalidade em fratura exposta no meu corpo novamente. Desejo sentir na mente a inconsequência de não me arrepender pelos atos, independente dos fatos. Peço pela clemência do alcatrão que corrompe a minha garganta. Espero sentir outra vez o sangue das minhas mãos. Quero fumar Tom Waits. Quero rasgar Lou Reed. Quero dilacerar Ginsberg. Eu quero tudo sem culpa, incluindo o exagero dos versos, da pronúncia errônea e da falta de coesão. Eu desejo a leveza bêbada que eu não consigo entregar, pois insisto em me controlar e não me deixo levar pela embriaguez que outrora sobrevivi.

Cadê aquele jovem com pensamento velho de safadeza aflorada, como se estivesse copiando descaradamente o Bukowski? Não percebi o momento em que deixei a gagueira insossa do cotidiano me domar as rédeas cavalares, antes soltas de prazer. Pior que não encontro o período quando me deixei perder pela falta de agir enquanto via o status quo morrer. Por que eu perdi aquele lema de que ser feliz sozinho era realmente ser feliz? Bastava um gole de cachaça para lembrar e elucidar a clareza da vivência. Afinal, o apelido de demônio da garrafa não era mera licença poética, era concreto objetivo que tatuado ardia de alegria no cerne.
Eu quero o foda-se!
Você não precisa de snapchat
Quando se tem essa memória efêmera.
Apenas do Photoshop,
Caso queira se eternizar,
Mesmo sendo linda
Sem o Boticário.
Você já tem todos os corações do Tinder,
Mas lhe falta um de verdade.
Você não compartilha o seu amor
Pois o seu beijo é puro blefe.
Você não precisa
De mais curtidas
Já que o seu sentimento
É um link patrocinado.
lsH 

Os deuses

 Coisas belas e sujas

Você cuida
Com suas mãos.
E a criança
Que chora solidão
Só quer um afago
De gratidão.
A prima da esperança
Em combustão revela:
eu vou te ninar,
Mas espere o amanhã
Porque agora
Um pouco vou sangrar.
E o doce alvorecer
Não dá o bom dia desejado
E outra lágrima cai
Do andar mais alto.
A filha aguarda o pai
Que amargurado é revelado
Um novo soldado
De um deus maltratado.
Por isso que amargurado
Deixa para a segunda-feira
O carinho suplicado.
lsH.

quarta-feira, janeiro 12, 2022

Há um mundo ali fora
Que explora o que você quer
Embora em sigilo
Estejamos neste abrigo.
Não imploro uma mudança
A andança já é tanta
Quero o seu olhar
Perdido nesta dança.
Eu tenho a minha dose exata
Deste sentimento que quero
E gosto quando você sorri
Mesmo não sorrindo.
Trago do fato uma esperança
A mesma que você escolhe
Carregando no rosto a mudança
De dias percebidos.
Não insista em questionar
Ninguém sabe do tempo
Meu futuro é quase ausente
Mas espero prosseguir.
Temos amor para tanto
Enquanto ainda suportarmos
Já que falas despejamos
E sabemos o travar.
Você tem a dose exata
Deste sentimento vivido
E sei que quer dos lábios
Mais do que palavras.
Traz uma esperança
Colhida na alternância
Que carregou junto ao tempo
De dias percebidos.

Apenas Um

De toda a forma, o meu entregar ao seu lado/ Minha caricatura mais animalesca refletida no espelho/ Os seus olhos a penetrar/ A sua veia a admirar/ O seu coração para despedaçar.
De todo meu, o sincero fel ao escorrer do canal/ Um trunfo para admirar/ Sua respiração a acompanhar/
Segredos trocados na saliva/ Lasciva fala pronta para narrar.
Entrego o meu e acompanho a sua/ Lua baixa pronta de sangrar/ Cálice aberto de admitir/ Troco o pulso pelo momento/ Não adianta argumento/ Perco um pouco para viver.
Rabisco meu nome na pele/ Cicatrizo a fúria na tez do rosto/ Esotérico lido nos lábios/ Letra triste mimetizo nas costas/ Significado seja outrora não compreendido/ Meu amor hoje explícito.
Formam frases por vezes/ Depende agora do ângulo/ Mas apenas um aparece/ Algum sabe, outro esquece/ De maneira certa, tudo fecha/ Meu poema escondido/ Meu sentimento declarado.

6h28 e 23 segundos

 5h da manhã. Ainda estou aqui. Não sei mais o que fazer. Um pequeno desespero desce seco pelo olho. Seria emo se eu seguisse o movimento. Aliás, se trata de um?
- Não precisamos saber, só quero entender se chegaremos vivos até a próxima estação. Um estágio pulamos, dois obstáculos passamos...
- E agora você retrata a mesma conversa das 4h. Não é necessário explicações, outras ilusões já apareceram. Eu entendo o seu monólogo, a sua concepção. Basta sorrir, então.
6h15. Qual a conclusão? A fome está incomodando. Cadê aquele pedaço de bolo de aniversário? Eu lembro de tê-lo deixado atrás da manteiga. O refrigerante perdeu o gás? O leite azedou? De fato, sem a minha presença as coisas estragam.
6h20. Está louco? Agora fará metáforas daquilo que ingerimos? Muito te pus para dentro. Confesso, já tive indigestão. Não acredita? Eu repito e amplio, em certas, senti repulsão. Não preciso provar.
6h25. Que merda! Até então estávamos conseguindo manter um padrão descente. Você sempre optou pela baixeza para conseguir me irritar, me confundir, me agredir. Nunca conseguiu ter classe o suficiente para ridicularizar as coisas, as situações. Também, nunca leu Kerouac.
6h27. Você e as suas manias beats de sarcófago.
6h27. Ao menos não me escondo em Simone Beauvoir!
6h28. Estúpido!
6h28, 23 segundos. Fim.

Fica a Saudade

Hoje lembrei, ao acordar, de escrever uma carta.
Coloquei a água para ferver e preparei o meu café.
Lembrei das noites mal dormidas, dos dias sofridos.
Dos cigarros derrubados no chão, do cinzeiro transbordando.
O sol perfurou a janela e o raio entrou sem pedir licença.
Não sou observador, confesso, muito menos sentimental,
Mas a cena me pareceu um sinal. Lembrei de você.
Iniciei os agradecimentos, os olás, o tudo bem.
A fumaça do café se misturava com a do cigarro.
Contei um pouco da rotina que ainda acabará me matando,
Dos estranhos que acabo entregando intimidades,
Da moça da panificadora, do chuveiro estragado,
Ainda tenho que arrumá-lo. Tenho preguiça.
E do roteiro que ainda insisto em não terminar.
Percebi que faz um ano. Como foi estranho.
O seu perfume adocicado já não mais está presente,
Seus discos de new wave eu já doei,
O anel, penhorei.
Não quero apavorar a sua paciência
No entanto, ainda recebo as suas revistas femininas.
Se possível, cancele a assinatura.
Se não me quer passar o seu endereço, tudo bem,
Mas não desperdice mais dinheiro.
Nunca sei quando estou sendo melodramático, pior que novela.
Não se incomode, só queria dizer que ainda vivo.
Ainda tenho uma recordação sua: aquela foto.
Noite escura, boteco e cerveja. Lembra?
Foi a última. Agora fica a saudade.