Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

segunda-feira, outubro 31, 2022

O amor é uma jactância. Deixa a verruga peluda de um rosto qualquer em imperfeição bela, o detalhe completo para o desenho da cara. Torna a saliência lateral do pé no joanete mais lindo que alguém já teve. O amor é de uma bobeira incrível. Transforma metaleiro em poeta, poeta em best-seller, best-seller em filme, filme em sucesso e sucesso em dinheiro. O amor é ópio, alimento insalubre.
Hoje lembrei, ao acordar, de escrever uma carta.
Coloquei a água para ferver e preparei o meu café.
Lembrei das noites mal dormidas, dos dias sofridos.
Dos cigarros derrubados no chão, do cinzeiro transbordando.
O sol perfurou a janela e o raio entrou sem pedir licença.
Não sou observador, confesso, muito menos sentimental,
Mas a cena me pareceu um sinal. Lembrei você.
Iniciei os agradecimentos, os olás, o tudo bem.
A fumaça do café se misturava com a do cigarro.
Contei um pouco da rotina que ainda acabará me matando,
Dos estranhos que acabo entregando intimidades,
Da moça da panificadora, do chuveiro estragado,
Ainda tenho que arrumá-lo. Tenho preguiça.
E do roteiro que ainda insisto em não terminar.
Percebi que faz um ano. Como foi estranho.
O seu perfume adocicado já não mais está presente,
Seus discos de new wave eu já doei,
O anel, penhorei.
Não quero apavorar a sua paciência
No entanto, ainda recebo as suas revistas femininas.
Se possível, cancele a assinatura.
Se não me quer passar o seu endereço, tudo bem,
Mas não desperdice mais dinheiro.
Nunca sei quando estou sendo melodramático, pior que novela.
Não se incomode, só queria dizer que ainda vivo.
Ainda tenho uma recordação sua: aquela foto.
Noite escura, boteco e cerveja. Lembra?
Foi a última. Agora fica saudade.
_Nada demais em pensamentos outrora. A viagem acabou, o dinheiro também, e o sexo não foi bom. O pessoal se mandou. A sala está bagunçada, o disco está riscado. A faixa que pula é aquela que você não gosta. O disco? Aquele que você detesta.
O sol está surgindo. As preces, continuam. O embargo da voz engole a derrota, o choro, o fracasso. Mas o dia vem e apesar do tsunami nessa casa, a esperança enche novamente esse copo de vodca. Nada melhor do que a coragem líquida para embalar a situação.
_Um cigarro está aceso, alguém saiu de fino. O fino eu acendo. A viagem retorna, o dinheiro transborda e o sexo volta a ser bom. O pessoal retorna. A sala está cheia, o disco toca normalmente. A faixa é aquela que você gosta. O disco? Aquele do Traveling Wilburys.

O sol se despede. As preces, esquecidas. A voz vira grito e a derrota é bebida, o choro, vomitado, e o fracasso, foda-se. O tsunami abençoa os seus quadris, a esperança fica linda nesse copo de vodca. Nada melhor do que prosseguir com a coragem líquida para enaltecer a situação.