Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

quinta-feira, agosto 28, 2008

A Culpa


Tantos janeiros

Presos nesse corpo

Que muito torto

Pede água.


A vida deu razão

Mas perdeu

Antes da comunhão

Um outro ato

Que se foi no fato.


Agora fica o dia da derrota

Da boca aberta por palavras,

Sangue traição.

Ficam as noites de estrelas

Não cadentes pousando

Na cama suja de outros amores.

Mas não foi culpa do ódio

A culpa foi da paixão.
Bate uma balada certeira no aberto e inocente coração. A nota sustenida furou a artéria, entrou na circulação e maltratou o cérebro. A confusão presente se instalou no lado esquerdo. Os pólos da massa cinzenta tentaram um diálogo, mas foi um monólogo que se apresentou aos olhos. Eles aplaudiram com as pálpebras, deixando a lágrima traçar um caminho obtuso. A imagem da felicidade em solidão emocionou até a cerne.
Nunca é fácil perder a sanidade. Um dia, escrito em um e-mail, as razões foram recobradas. "Roubar idéias de uma pessoa é plágio. Roubar de várias é monografia". E a balada continuou a perfurar o órgão que pulsa.

segunda-feira, agosto 25, 2008

Escárnio

Recria o rosto
Na frente do espelho
E pinta o olho
Com precisão torta.
Ela sorri confusa
Vendo a imagem
Que alterada
Faz-se em lágrima.
Mas, mesmo assim,
Ela se apronta
E afronta
A sua derrota.
A porta a convida
Para uma dança
Muito inesperada
Que ignorada
Percebe-se louca
Em uma hora
Pós-terminada.
Encontra a rua
E tropeça no orgulho
Pensando no final
Que não aconteceu.
O escárnio
Da sua lembrança
Ficou ingênuo
Como uma criança.
E ela subiu
escada adentro
Para novamente
Chorar o seu amor.

domingo, agosto 24, 2008

Não sei até quando vai durar. O coração não suporto mais os desafios. A cabeça não acompanha o raciocínio. Os olhos não mais enxergam o fim. Mais uma crise. Não estou falando de amor, estou falando da vida. Da minha. Não tenho mais a esperança de dias melhores. Não sinto mais o sabor das belas manhãs. Confundo a dor de agora com taquicardia. Não foi. O exame apresentou outro resultado que, aliás, eu já sabia. Angústia. Ansiedade. Tristeza. Eu, que nunca acreditei nas doenças psíquicas, agora sofro junto. Difícil perceber que acabei entrando nessa. A modernidade vista no passado me causava outros sentimentos. Percepções logicamente erradas. Enfim, bem-vinda depressão, seja lá o que você queira. Sempre achei que somente os fracos de razão pudessem sentí-la e permití-la adentrar o corpo. Nunca imaginei o quão forte a sua manifestação poderia causar. Basta engolir os comprimidos.
Não sei até quando vai durar, mas agora entendo melhor aquele conto do palhaço que, depois das piadas, tira aos prantos a sua maquiagem nos bastidores.

terça-feira, agosto 19, 2008

Cosmopolitan

Fortes características de um deja vú se formam em um momento de frio. Penso se a imagem não é apenas mais uma presenciada em um passado perfeito, mas não, os detalhes são novos e ricos no exagero do novo. A fumaça sobe de um cigarro preso no cinzeiro que descansa no balcão do bar. Um jazz carregado de paixão e ódio escapa das caixas de som. Miles Davis. A dona ao meu lado veste um longo azul escuro com uma abertura nas costas que revela uma bela tatuagem de dragão. Diria que ficou meio vulgar, porém, com presença e destaque. Um martini é entortado pela boca de finos lábios cobertos de batom claro. Esboço uma tentativa de sorriso disfarçado de charme e arranco um gesto de gratidão. Ela deve ter pensado: um outro otário perdedor se afogando em álcool para esquecer a realidade.

O ambiente é bem eclético. Vários tipos se arrastam enquanto outros voam. Um rapaz jovial não consegue parar em um único lugar. Com uma jaqueta da Gap procura a melhor opção para uma foda. Pelo jeito não está apenas procurando mulheres. Miles Davis dá licença e Beth Gibbons invade os ouvidos dos que admiram o Portishead. Agridoce com eletrônico. Sempre achei "Strangers" uma das melhores canções já compostas no mundinho criativo da década de 1990. E o meu cigarro continua morrendo no cinzeiro. Preciso parar de fumar. Meu médico que aconselhou. Como sempre tive meu lado Bukowski, renego o diagnóstico.

Olho novamente para o bailar de dedos que a moça insiste em dançar pela borda do copo calibrado de martini. Imagino como seria feliz ser engolido pelos tais. Devagar. Voraz. Tenaz. Deliciosamente liso, raspando um pouco pelas laterais das almofadas pintadas. Batom que contém chumbo na composição dá cancêr, li certa vez em uma dessas revistas femininas. Marie Claire? Não lembro. Entretanto, parece que era apenas um boato, uma lenda urbana. Informação fútil só para descontrair. Se chumbo tiver, deve ser nas entranhas da dona. Muitas mostram pelo olhar a ardência do contato, da pele. Mudo o pensamento e me concentro na Beth Gibbons. Pelo jeito preferiram deixar rolando o Roseland NYC Live na íntegra. Estamos agora em "All Mine". Digo, acabou. Segue com "Mysterons".

Depois de muito admirar, não o álbum dos britânicos, mas as características fortes do deja vú ao meu lado, ameaço uma retirada sem nada mencionar. Levanto. Meu cigarro já está morto. Deixo a gorjeta. Coloco a carteira no bolso. E ouço:

- Já vai? Encarou tanto que cheguei a pensar que poderia passar um pouco de câncer por meio dos lábios. Sabia que batom com chumbo dá câncer?

- Você leu na Marie Claire? - Pergunto.

- Não, na Cosmopolitan.

segunda-feira, agosto 18, 2008


Beijo de fogo. Olhos fechados. Olhos virados. Olhos vidrados. A cada minuto a imagem fica ainda mais forte. Um ego foi levantado, um ferimento foi fechado, um novo sentido agora é desenhado. Perceber as coisas complexas e fazê-las fáceis aliviou o temperamento. Nunca será como antes. Será melhor. Entre partidas e reencontros, o importante é o pacto cravado em peito aberto, sem angústia, sem modéstia. Tudo exagerado, como o planejado. Beijo de fogo, jogo de acertos, concertos aprovados. Consertos resolvidos. Sinfonias ao vento, grama como cama. Resoluções firmadas, contratos rasgados. Olhos fechados. Olhos vidrados. Virados. Dois achados, dois perdidos. Um no centro, outro no canto. Não importa. A porta aberta metafórica dá acesso ao céu. Meu rabisco, seu esboço. Arte final assinada por ambos. Nunca será como antes. Será perfeito. Desde que sonhos continuem. Vão!

Beijo de sorte, beijo de sós, beijo de nós. Céu azul. Across The Universe. Ela caiu como lágrima olímpica, como colírio de vitória. Composição não terminada, coração quase completo. Basta tempo. Tempo para chegar, tempo para partir, tempo para olhar, tempo para amar. Basta esperar. Basta torcer.

Um abraço eternizado, um selar concretizado. Interior marcado, central tratado. Um risco nas costas, outro beijo nos lábios. Não digo o resto. Basta imaginar. Resoluções firmadas, contratos rasgados. Futuro no bolso, guardado em segredo. Futuro ao lado, guardado sem medo. Futuro conjugado.

terça-feira, agosto 12, 2008

Meio Mês em Meio aos Outros

Uma meia foda ao meio dia
Meio estranho
Equilíbrio em cama
Uma meia alma
Em meio à rua
Me chama de paixão,
Uma cidade e meia
Escuta a declaração
Que às 6h30
Volta para casa.

Um meio abraço
De um amigo
Me traz conforto
A minha mulher amada
Desaparece
Em meio à estrada.

Noite e meia
Em metade a mim
Em meu quarto
Escrevo amores
Reflito dores
E ouço todas.

Uma foto e meia
Me lembra saudades
Relembro idades,
Construo castelos
E escuto ecos.
Um meio amor
Me deixou assim
Meio confuso.

Nota: Meio Mês em Meio aos Outros é uma canção. Sou meio desastrado em compor músicas. Na verdade, não tenho o mínimo talento para tal arte, mas gosto de brincar junto ao violão. Ela faz parte de uma série de composições que venho esboçando desde 2003. Nunca serão registradas, eu espero. Só uma pessoa escutou esta canção. Ficou surda. Brincadeira. Seria muita maldade para os ouvidos dos terceiros. De toda a forma, fica aqui a letra sobre um cara que encontrou o amor que, por sua vez, precisou ir embora e o deixou só. Não é triste, é apenas uma história.

sexta-feira, agosto 08, 2008

Sonhares

Um mais seguro viajo em horrores. Abstrato assim mesmo um retrato recém fotografado. A figura iconoclasta jorra frêmitos de ascos. Um turvo céu de gaivotas retraídas pousa no mar azul do litoral sul. Afunda em secos sentimentos prováveis de gratidão e solidez. O atroz pensamento de polvos captura os sonhos vazios que vagam perdidos em fumaça de cigarro. Ela não me fala, ela não opina. Só abro os olhos quando realmente quero acordar.
Então, em castos suspiros analiso o plural das coisas sinônimas que antônimas apresentam os sentidos. Piso no fogo que a água não matou, bebo fluido de isqueiro para sentir o meu estômago queimar. Minha boca já proferiu tamanhas asneiras capazes de elevar a altura da Grande Muralha até a lua. Sim, ainda durmo.Passado o desespero dos momentos sem nexo, após uma pausa branca, analiso em anexo a carta recebida. Gosto da caligrafia, ela revela os segredos. Gosto do conteúdo, ele mostra inteligência. Mas acordo quando não quero. Bebo um pouco de água, deito novamente. Fecho os olhos. O dormir sempre me trouxe dúvidas. Respostas nós encontramos no Google.

Ter Amado


Entre café e cigarros, o que sinto é o seu sabor. Brendan Benson na vitrola, o sol pela janela e o vento do inverno levantando a cortina. Um livro no meu colo, uma carta ao meu lado, uma poesia a tiracolo. Paisagens bucólicas de tão lindas, melancólicas, revertem o pensamento em conseqüência imediata na memória. Pinto um sorriso no rosto e esboço um reencontrar. Entre café e cigarros, o que percebo é o seu gosto. Leituras astrais, músicas latinas e referências cubanas. Conversas hippies, falas amorosas, planos sem compromisso.

Recordo uma outra história. Uma viagem para o Chile. Santiago. Lembro dos seus olhos. Brilhantes como as embalagens do Boticário no final de ano. Doçura na voz, forte na atitude, pele morena de praia. Os lábios como almofadas, os ouvidos como radares. Continuo a gostar, continuo a desejar, não apenas os detalhes, mas o completo.

Procuro a agenda. Encontro o seu nome. Disco. O número não existe mais. Do livro no meu colo voa uma foto. Tinha até esquecido. A mesma paisagem bucólica revelada com nós dois à frente. Entre café e cigarros, agora o que sinto é felicidade. Felicidade por um dia ter te conhecido, ter te amado.

sexta-feira, agosto 01, 2008


Misteriosos contatos

Nos lábios de giz

Que descrevem

Uma história falsa.


A visão é nublada

Mas o amor está lá

Com as suas frases prontas

E pontas soltas.


Segredos de plástico

Guardados em memórias

Artificialmente analógicas

Escondendo o belo sentir

De um cáustico amar.


Vaza tristeza dos olhos

Amarelos de trabalhar

A saudade é proeza

Dos que sabem lembrar.