Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

quarta-feira, março 28, 2018

Apagar o apego já que é
Difícil encontrar o desapego.
Apagar o desejo já que é
Difícil esquecer sem fraquejo.
Apagar o amor já que é
Difícil superar a dor.
Apagar o sentimento já que é
Difícil ter sortimento.

Apagar para tentar consertar
Porque nada está certo.
Apagar as memórias
Para tentar viver de vitórias.

Apagar as histórias para
Não viver de derrotas.
Apagar o passado para
Vivermos melhor o presente.

(Jean Carlos Fontes e Leonardo Handa)
No caminho
Do sempre quis
Tanto foi que fiz
Na estrada
Do tanto faz
Percorremos
Para trás.

sábado, março 17, 2018

Dá vontade de gritar. Vontade de fugir, vontade de partir e de desistir. Dá vontade de fumar mais, de beber mais e de comer mais. Dá vontade de não dar satisfação, de não trabalhar mais e de não se envolver mais. Dá vontade de reiniciar tudo, de ser niilista, de se revoltar e de agir como o Coringa do Heath Leadger. Dá vontade de rir para o despero, de não se apegar e de tocar o foda-se. Mas aí você tem a certeza de que é nascido do signo de virgem simplesmente porque pensa demais.
É tanto vazio nesse espaço cheio
É tanto desamor nesse amor
É tanta alegria nesse sofrer
É tanta tristeza nessa felicidade
É tanto amigo nessa solidão
É tanta falsidade nessa realidade
É tanta falta nesse completo
É tanto verde nesse concreto
É tanta abstinência nessa bebida
É tanto início nesse fim.
lsH - O Fim

sexta-feira, março 16, 2018

Madruga insone, catacombe cerebral dos dizeres infernais. Da fumaça um beijaço que no sonho se encontra, ali, descoberto, com o úmido sereno abençoando em posição de feto. O som, lá distante, anuncia de um alto falante mais uma canção angustiante. Mas, aqui, entreaberto, reverbera um acalanto oitentista que faz o longe passar vergonha.

A Primeira Vez


Ela não estava perdida na vida, apesar de acreditar que sim. Sua entranha, recém violentada, ardia de saudade de um passado romântico. Enquanto voltava para casa, com gosto de abacaxi na boca, pensava na cidadezinha em que morava antes de se aventurar pelas ruas úmidas da metrópole. A cena mentalmente visualizada era a de um pé de ameixinha, a qual ficava trepada durante 30 minutos diários, se lambuzando com as frutas frescas e abençoadas pela chuva constante. O doce sabor da adolescência.
Ao chegar em seu apartamento, foi até a cozinha procurar por algo que tirasse aquele azedume de sua língua. Optou pelo conhaque, mesmo com o apetitoso bolo de chocolate que estava deliciosamente provocante sob a mesa de quatro lugares e tampo de granito falso. Calmamente, bocejou um pouco de álcool, como se fosse um antisséptico bucal. Caminhou até a janela e ficou observando os viciados em crack, alucinados, afoitos e sedentos por mais uma pedrinha para jogar amarelinha-viajante. Tomou um gole caprichado e cuspiu, acertando a cabeça de um dos zumbis que estava na calçada. Rapidamente se escondeu para que ninguém visse a sua travessura. Sentiu uma pontada entre as pernas e levantou a saia para verificar. Estava toda assada. A pele havia sido maltratada. Os grandes lábios pareciam a Angelina Jolie.
Olhou a lua, amarela como um queijo fresquinho. Sentiu cheiro de buceta em seus dedos. Para ela, um odor familiar que era sinônimo de dinheiro. A ardência que a fez remeter saudades foi causada por um pastor evangélico, avantajado como uma Coca-Cola de 2,5 litros. Ao menos pagou com bonificação.
Sua primeira vez, aos 13, no meio do mato, entre uma pequena cachoeira e um estábulo, foi com Roberto, um menino de 16 anos e pau de jumento. Ao ver pela primeira vez um caralho, não tinha ideia do tamanho normal de um. Ao percebê-lo excitado, teve uma única certeza: essa coisa não vai entrar em mim. Mas Roberto, que já era experiente com cabras, realizou um trabalho repleto de delicadeza. No entanto, socou bem no fundinho, o que causou nela uma dor de três dias, fazendo-a a perceber que de fato possuía uma bexiga, a qual agradeceu por não ter estourado.
Quando ela saia com o pastor, era sempre essa saudade que sentia: do pinto do Roberto. Então, ela encheu mais um copo de conhaque, entortou num só gole, pegou um caderninho e começou a escreveu um poema, cujo título recebeu uma frase clichê: a primeira vez a gente nunca esquece.
biografa-me, a cada letra, sílaba. 
me fraseie, calmamente. 
escrita-me, letra por letra. 
descubra-me, como pétala a pétala que o outono derruba para outras nascerem em vindoura estação. 
e desperta-me com um selo, 

um registro,
um fragmento.
decifra-me no presente
e que o passado fique a limpo, agora,
no desejo de respeito e agradecimento,
porque nós partimos para nos encontrarmos.

lsH

segunda-feira, março 12, 2018

Necessário sentir para prosseguir
Seja lá qual for o existir.
Vai e segue o coração partido
Em um fracasso de estado.
A fossa abre mais fissuras
Na sua insistente frescura
Mas continuo sentindo
Dos poros o algo partindo.

Lembro quando disse
Que seria loucura não conseguir
Afinal o amor estava ao lado
Tinha que ter força e sorrir.

Não neguei e joguei
Veio a chuva e levou
Longe vai aos poucos
O seu lado meio torto.

Sigo não sei como
Guiando o louco que alimento
E que quero segurar
Na dor cruel do coração
Que vaza sentimento.
Da lógica o verbo escroto
E da visão a imensidão.
Da dua boca o calo seco
E das mãos o soco inglês.
O verso de amor se pôs
Junto ao agosto que morreu
E das cruzes a solidão
Da fumaça morta de paixão.
Do nascer o morrer armado
De armas brancas e abençoadas
E do meu coração a cremação
De cinzas impuras e desalmadas.
Do riso o catequismo ao contrário
E dos corpos o comungar em um orgasmo
E da liturgia dos amantes tortos
O penúltimo romântico com marasmo.
Oração ao contrário
Infernal por acaso, onde você estará amanhã? E quando aquele canto sujo da cozinha, entre a prateleira e o fogão ser limpado, sim, as chamas vão se levantar. Com as mãos para os altos, vou interceptar anjos loiros, lindos, gostosos, de abdomens celestiais, só como vingança pelo milagre do ato. Se o chão, como um todo, belíssimo e completo, estiver brilhante e cheiroso, aí sim, não terei o que utilizar como dízimo à salvação de um cego que vê. Tudo seria tão mais feliz, gracioso e perfeito se pudesses perceber o quanto da sua falta de sensibilidade é gritante. Amém.
lsH
A habituação das coisas envolve a repetição. O ato envolve, portanto, a prática. É assim que a capacidade quase natural se constitui numa quase segunda natureza dos indivíduos. Não conheço muito de filosofia, mas se não me engano, Aristóteles abordava a respeito, mas salientando que isso era mais complexo do que essas simples frases. Num primeiro momento, a teoria considera os hábitos e as práticas da habituação de forma mecânica e passiva. O cara dizia que a ação pressupõe a discriminação de uma situação em ordem a fim de dar uma resposta adequada, sempre associada a objetivos, sendo impossível separar o momento externo da ação (o comportamento) dos momentos interiores (o processo).
Mas o que quero dizer com essa falácia? Que o filósofo argumentava que a repetição melhora as coisas, tornando as pessoas mais perspicazes na realização, sei lá, da arte, por exemplo. No entanto, não significa que isso necessite ser feito sempre da mesma forma. Ao repetirmos uma ação sempre há alterações, mesmo que pequenas, automáticas na aprendizagem continuada. Quando repetimos, por vezes, costumamos associar alguns progressos ou melhorias. Um tatuador sempre se aperfeiçoa com a prática. Um músico se sobressai, independente se tocou pela quadragésima vez uma obra de Bach. Ou seja, acaba se transformando em refinamento, através de tentativas refinadas. A prática permite o progresso sempre na repetição crítica.
Uma repetição crítica reconhece os erros anteriores e compreende aperfeiçoamento através dos erros anteriores, com mais emoções e análises. Quando uma repetição passa a não ser mecânica, origina progresso. O processo de aprendizagem é assim. Os alunos repetem o alfabeto até memoriza-lo e assim vão juntando as pecinhas com palavras e frases. E, por vezes, acreditamos que a repetição pode nos levar a caminhos iguais, já sabidos e com resultados não satisfatórios. Mas é graças a ele que, justamente, podemos perceber que existem outros trajetos. O amor é assim. Sabemos exatamente o que vai acontecer, de relacionamento em relacionamento, sempre carregando vícios passados, porém, com a diferença de que foi na repetição que aprendemos o que não fazer.

quarta-feira, março 07, 2018

Despedida. Nunca é fácil. Fica um caroço desgraçado na garganta e umas coisas líquidas nos olhos. Não sei qual o momento mais difícil, o último abraço ou o carro partindo. Sei lá. Já foram tantas que deveria estar acostumado. Mas nunca estamos. Algumas são deveras horríveis, sobretudo àquelas quando alguém sai magoado, quando a despedida fica perdida, não finalizada como deveria. Se é que deveria. Essa foi uma. Em outras ocasiões, o tchau é feliz, mesmo que triste, algo bipolar. Porém, saber que a pessoa está buscando a sua lenda pessoal, o viver constante e tocando o foda-se da segurança, é muito lindo acompanhar, torcer e comemorar: vai lá guria, alguém está fazendo algo, pelo menos. E esse alguém é você!
"Na mulher interessante a beleza é secundária, irrelevante e até mesmo desnecessária. A beleza morre nos primeiros quinze dias, num insuportável tédio visual. Era preciso que alguém fosse de mulher em mulher anunciando: ser bonita não interessa, seja interessante".
Tati Bernardi
Só com calma
Nunca é fácil. Quando o amor escorre pelos tímpanos e surda a sobrevida, aproveita e deixa mudo e cego. Remete uma confusão muito além dos sentidos. O sentimento é ferido no momento em que uma das partes renega, e a outra, ainda não. Nunca é fácil. Parafraseado, para sofrer, basta estar vivo. Receitas até que adiantam, mas não causam alívio rápido. Não é paralisante. É cerimonial.
Pois é, nunca é fácil. Porém, existe acalanto. A percepção, somente através dos meses. O lugar-comum é válido? Sim, portanto, resta ao tempo incluir um doce no sangue para chegar ao cérebro, rebatendo no coração, trazendo novamente a lucidez dos sentidos no sentimento ferido, que cicatriza, mas só com calma.