Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

quarta-feira, setembro 25, 2019

Momento


No meu momento mais bonito
Eu conto os seus cílios enquanto sonha
A cada um, eu falo silenciosamente: eu te amo.

Na minha condição mais delicada
Eu deixo o meu corpo transparente para você
E aguardo seu sinal para sinceramente te encaixar.

Na minha vida mais miserável
Só aguardo um aceno seu para me fazer sorrir
E seguir tranquilamente pelo lado da calçada em que está você.

Não há busca
Em troca de algo
Nem calor, nem amor.
É de sorriso que se abre
Um agradecimento.
De fato lógico
Um rompimento
Por hora chegou.
O cataclisma de sentimento
agora vazou.
Não foi culpa dos dois:
Um outro sempre surge (depois).

domingo, setembro 22, 2019

Tenha-me à pele
SEM PUDOR
E não traga dor
QUANDO UM BEIJO
me causar a vontade de voltar.
FAÇA-ME do avesso, pois
o seu endereço
É meu lábio superior
QUE ENCONTRA a estrada
Do seu inferior.
Destaca-me do seu ser
Revertendo o fluxo
Do contrário saber
Em momentos arbitrários
De silêncio e fazer.
Abra-me em um abraço
Que me fecha em você.
E em um momento eu sinto o seu compasso
Que acelera a cada passo
Que te faço.
Feche-me em um beijo
Que me abre em você.
minha febre adorada
meu porre de vodca
minha doce angústia
meu dia nascendo
minha alma desencarnada
meu filho não ejaculado
minha casa mobiliada
meu povo faminto
minha droga injetada
meu amigo confidente
minha letra inconsistente
meu verso corrompido
minha poesia dilacerada
meu motel preferido
minha amante titular
meu eu desperdiçado
e minha vida interrompida. 

AbsTRATO

Triste insiste
Em não derramar
Do copo a precisa
Poesia que
Se desmancha.
Alcança antes
Uma letra feia
Com texto lindo
Que remete
Ao passado romântico.
A borda cheia
De sílabas agora
Vaza palavras.
Desperta a esperta
Esperança de
Se embriagar
Em poemas abstratos.

Escondidas Verdades

Truques ambíguos
De ordinária beleza revelada
No coração mais perfeito
De uma alma torturada.
Falsa condição projetada
Nos dizeres mais concretos
Nos sorrisos mais discretos
Mas foram nos olhos
Que explícitos revelaram
A condição incorreta.
Nuvem de pólvora
Em um quarto amarelo
Repleto de angústia.
Um dia, quem sabe,
Encontrem as verdades.
Tantos janeiros
Presos nesse corpo
Que muito torto
Pede água.
A vida deu razão
Mas perdeu
Antes da comunhão:
Um outro ato
Que se foi de fato.
Agora fica o dia da derrota
Da boca aberta por palavras,
Sangue e traição.
Ficam as noites de estrelas
Não cadentes pousando
Na cama suja de outros amores.
Mas não foi culpa do ódio
A culpa foi da paixão.
lsH
Eu lembro perfeitamente daquele dia.
Sem precisar falar, você já me conhecia.
Se ainda não levo a sério as minhas palavras,
Talvez um dia elas farão sentido.
E se a primavera não for boa,
Terá o verão, todavia.
E se não estamos juntos,
É fruto da nossa cria.
lsH

quarta-feira, setembro 18, 2019

Às vezes precisamos de doses de loucura, de noites insones, de silêncio em meio a tanta porcaria que nos invade os olhos e ouvidos. É preciso sentir essa maluquice que bebemos e arrotamos em vida, porque nada levamos a não ser cada impressão digital na pele, cada história compartilhada, cada beijo alucinadamente dado. É necessário saber se ouvir, mesmo com tanto remédio controlado na mente.
É obrigatório saber amar desenfreadamente, sem dosar as consequências, mergulhando de piruetas em pedras que nem sabemos se de fato estão fundas. É preciso sentimento real e muita coragem para estufar o peito e dizer tranquilamente: eu te amo. Às vezes não é preciso nem dizer com palavras, apenas transmitir em gestos simples, leves, carinhosos, generosos e deliciosos.
Não é afoito sentir vergonha. É lindo quando se pode encontrar alguém e olhar nos olhos e repassar docemente o sentimento através da pupila, da íris, das pálpebras, do piscar, do brilhar. E, para tanto, é sim necessário uma boa dose de loucura, pois a normalidade é careta e vizinha amiga da idiotice de não saber aproveitar o momento.
Meu escárnio escarrado
Na carne cortada
Que jorra sangue
De álcool acumulado.
O porco ali jogado
É pútrido e carente
De uma mente alucinada
De uma época passada.
Agora o bicho é outro
E o processo necessário
Pois eu quero novo gozo
Sem memória maltrata.

domingo, setembro 15, 2019

_abuso_

os pés descalços
no vidro
ouvido
no fundo
infinito.
calor de mão
no fogão
dedo
dentro
do umbigo.
gemido de criança
sem crença
e nos olhos
o choro
sem bença.
lsH

Millôr Fernardes, colabore

Deixe-o expressar o ódio
Mesmo que em entrelinhas
Nessas linhas vorazes
Que faz ferver os olhares.
Deixe que uns tiros
Tirem a vida alheia
De um cidadão de bem
Que passeava no sábado.
Millôr Fernandes, eles tinham razão
O que fazem de melhor é por opção.
Deixe que a boa pessoa
Prossiga a sua ira
Enquanto isso mais uma família
Vai velando alguém para o além.
Deixe que a vida
Aponte o que perderemos
Pois daqui para o futuro
Será lembrado o que sofremos.
Millôr Fernandes, você sempre avisou a prole
"Certas coisas só são amargas se a gente as engole".
lsh

quinta-feira, setembro 05, 2019

A alma está meio grunge. Sei lá se acordou assim. Não lembro. O dia anterior foi de destruição, quando decretei o meu corpo em estado de calamidade pública. Agora, neste momento, se encontra fumando um cigarro, dedilhando uma guitarra desafinada e grunhidos milimetricamente desajeitados.

O dia clareia. Um pássaro pousa na fiação elétrica enquanto o sol parece dizer, solitariamente: mais um dia vagabundo está surgindo. Aproveito o embalo e pego minha camisa xadrez de flanela que estava no criado mudo. Ela fede a maconha, incenso de Flor de Lótus e falsificação de Hugo Boss. Como não lembro se dormi, até que estou contente.
Deixo de lado a guitarra e sigo até a cozinha preparar um café. Acendo o fogão com um Zippo que tem um adesivo do Pato Donald. Estranhamente, parece que ele está sorrindo para mim enquanto derramo pó de café no azulejo cinza. A água já fervendo e ouço: Bom dia! Caralho, tinha mais alguém neste apartamento? Eu trouxe alguém? Dormi com quem? Por que não lembro? Não usei nada forte na noite passada. Um cidadão, só de cueca boxer, se encosta-se à porta da cozinha-lavanderia e diz: Daí camarada, como está? – Fico sem reação. Não sou dessas pessoas que se perde quando algo inusitado acontece, mas naquele momento eu me permiti ficar totalmente perdido. – Olha, a princípio estou bem, mas o que faz aqui em casa? – Foi a única frase que consegui esboçar enquanto a água já estava fervendo. – Sou o cara que você conheceu na noite anterior, bem quando a banda da casa estava tocando “Plateau”, do Meat Puppets, não lembra? – É claro que eu não lembro, nem lembrei de desligar o fogo. Mais intrigado, solto: Hey, a gente ficou, transamos ou algo do tipo? – Ele olha no fundo da cozinha, visualizando um quadro que tenho do Bowie e responde: Alguma dúvida? – Odeio quando alguém me responde algo com outra pergunta. Sinto-me a pessoa mais burra de toda a rua. Aliás, qual é mesmo o nome da minha rua?
Passo o café, extremamente confuso. Eu estou confuso, o café não foi passado confusamente, esse eu consegui fazer direitinho. Sou perito em passar café, antes que eu esqueça de mencionar a minha única qualidade. Convido o cidadão para se sentar e degustar um pãozinho de três dias. Ele sorri e fala: Não lembra meu nome? – Com o sorriso mais amarelo que as primeiras páginas da Veja, respondo: Não, desculpas imensas, não tenho a mínima ideia de quem você seja. Cabisbaixo, revela: Cara, eu sou você 20 anos mais novo! Como não consegue se reconhecer? Suas memórias estão tão apagadas de tanto ácido que não consegue se identificar? Que não consegue nem ao menos reconhecer certos traços, como essa cicatriz no canto do olho direito quando você e seu irmão caíram de uma árvore, ou quando você fez essa tatuagem no braço com o nome de um amor que morreu em Curitiba? Como assim camarada?
Ao ouvir aqueles sermões, tão rápidos quanto os do Frei Policarpo, bebi meu café, comi meu pão borrachudo, acendi um cigarro e, calmamente, falei: Que porra é essa? Agora estou tendo alucinações baratas para confortar os meus 48 anos? Tudo bem que não fiz nada que preste nesta vida. Plantei uma árvore pelo menos. Não tentei ter filhos e não tenho habilidades para ser escritor. O que eu sei fazer é passar café.
Uma luz branca surge repentinamente em meus olhos. De repente o cara que se dizia eu sumiu, não sinto mais gosto de café em minha boca e estou em minha cama, abraçado a uma camisa xadrez, que cheira Hugo Boss, canela e um pouco de cigarro. Naquele momento, de manhã, sem ressaca alguma, penso, está na hora de por marginalidade nessa vida novamente. Nem que seja grunge.

segunda-feira, setembro 02, 2019

Black Dog

Eu também alimento um,
Admito.
Mas eu preciso de dias assim
Para, enfim,
Lembrar que sobrevivo.
Eu queria, na realidade, um sobreaviso
De que a vida
É muito mais do que isso.
Eu tento, eu aguento
E de novo alimento.
Eu corro da sua mordida
Mesmo em certos dias
Ser abocanhado.
Eu me perco na corrida
E me abraço em manias
Apesar de errado.
Alguns meses se parecessem
Com o fim do mundo
E eu recordo dos sorrisos que me acompanham.
Deixo seu caráter passar fome
E conforme vai passando
Eu traço outro presente
Independente do passado.
Um dia, eu sei, apesar de difícil
Seu olhar de esfomeado
Será acalanto sem quebranto
Mas até lá, se eu me entregar
Não quero ser eu
Que continuará te alimentar.
lsH