Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

segunda-feira, março 30, 2009

Onde Moram os Moleques


Viajo dentro de uma canção, acompanhado de uma boa xícara de café. Relembro uma infância. Tempos difíceis, mas divertidos. O coração na boca ao pular de um muro alto em uma caixa de areia. Tardes vadias em uma madeireira abandonada. Um quase tétano pego em uma lâmina. Um amigo lá para dar a mão. Início de noite em um pé de ameixa. O horário de verão era sempre comemorado com a empolgação cavalar. Um rádio a pilha. Uma sintonia qualquer. Um pôr-do-sol no interior. Os joelhos sujos, as canelas arranhadas. O All Star acabado. A conga destroçada. O riacho sem peixe, as pedras com rostos humanos, os pássaros soltos. O cachorro companheiro, as piadinhas inocentes, as revistas de catequese. As aulas cabuladas, os dias de futsal, as camisetas brancas limpas com Omo. O truque da moeda, a brincadeira do copo, o medo de ser pego. As meninas de Azaléia, os vestidos rodados, os ensaios na casa mal-assombrada. As noites de sábado. Videogame com Baconzitos. As conversas de madrugada, os sonhos adiados. As cicatrizes nos prazos, os ralados nos dedos. O vidro quebrado do vizinho. A correria depois do almoço. A louça para enxugar, os casos para contar, as férias de inverno e as histórias da praia. Os reencontros em janeiro, o vazio dos potes de biscoitos, as laranjas que viravam bombas e os papelões que se tornavam escudos. As armas jogadas na rua, o limão com sal, o suco de pacote e o bando reunido. O lago companheiro, as roupas rasgadas, o choro sincero, o tombo certeiro. A música acaba, mas a lembrança com o café continua...

sexta-feira, março 27, 2009

Por Favor


Entrego as chaves do meu tímpano

Para que você entre com as suas ladainhas.

Desvisto as minhas complicações

Fazendo do simples a minha tradição,

Mesmo sabendo que voltarei

Às minhas belas contradições.


Não sei dizer se é tarde

Apenas quero aquela paz

As vontades são contrariadas

Então pego outras estradas.


Permito o acesso contrariado

Deixo a entrada aberta

Mas acho que estou morrendo

Um pouco mais por essa fresta.

Vazo um tanto de calafrio

Engulo muito o fel

Tento bloquear o pensamento

E retorno rápido do céu.


Às vezes acho que encontro

Percebo depois que estou tonto

Um pouco procuro a calma

E ela revolta logo a alma.


Então eu me rendo

Permito o acesso contrariado

Para depois novamente

Encontrar-me dormente.


Leonardo Handa - 27/03/2008


O filme que estou mais empolgado para ver

terça-feira, março 24, 2009

Dia. Hora. Segundo.


Mais um dia

Em Aflito

EU GRITO

Uma outra ordem.

Eu quero

A PAZ

Que não encontro

Em minha cama.


mais uma hora_em_caos.

o_ponteiro_quebra_a_minha_aflição.


MAIS UM SEGUNDO

E O MEU DIA

Acaba na hora

Em que falo

CONTIGO.

quinta-feira, março 19, 2009



Boa música! Há tempos não me empolgava com uma. Salve o Yeah Yeah Yeahs.

terça-feira, março 17, 2009

Jacinto - Conto perdido

Eu estava encostado com a minha guitarra em um quadrado branco. Mais ou menos como a narração daquela canção. Caetano, por que não? Observava as ações auxiliado pelo olhar de um míope repleto de conjuntivite. Meu cigarro era a companhia perfeita para a análise das garotas com os seus jeans de outras estações. Meio Sex Pistols, meio Hannah Montana. A inocência e a carência de noção. Ordem invertida. Desejos iguais.
Iniciei o dedilhado de uma canção do bardo Nick Drake. Errei uma nota. A puta ao meu lado gargalhou. Não tinha ideia de quem era a música, mas percebeu o acorde errado. Apenas retribui sorrindo. Logo um Corcel 72 parou e a moça viajou para mais uma aventura. Só posso dizer que eu as admiro. Coragem é a palavra exata no momento certo. Afinal, algumas partem para o desconhecido, não sabem se vão apanhar, o que o cliente vai pedir, se vão ter que engolir ou cuspir. Certa vez, enquanto eu tocava em um bar-puteiro-espetinhos-cerveja-Pilsen, uma delas chegou com a cara em frangalhos. Tinha levado um ferro de passar na cara. A fuça da guria parecia a de um gato estraçalhado no asfalto. Mesmo assim ela estava contente. Coisas que somente a cocaína proporciona.
Depois de dar um tempo na rua, degustando um Marlboro, fui me apresentar em outro local. Eu já sabia o que ia encontrar: pessoas interessadas em sexo. A música era mero segundo plano. Meu setlist não era muito popular. Tocar Elliott Smith em um puteiro exigia concentração. O inusitado formava uma trilha sonora peculiar para acompanhar as cenas de estrago que eu via conforme ia cantando a noite. Como ninguém reclamava, eu seguia as minhas emoções. Para mim, obscuras eram as situações que eu presenciava. Já os clientes achavam obscuras as minhas canções. Alguns imprimiam suas concepções com olhares de não aprovação e outros simplesmente admiravam as belas curvas de Susy 5, a mais bela do local. E a mais cara.
Às vezes eu cansava da obscuridade e puxava o coro dos contentes tocando "Vou Tirar Você Desse Lugar", de Odair José. Todos a conheciam. Uma linda declaração de amor de um apaixonado que deseja tirar sua prostituta preferida da vida de meretriz. Poucos concordam, mas para mim, Odair José é um cronista urbano, um poeta desgraçado. Quando eu ficava mais bêbado, desistia de seguir um Cat Stevens e começava um Robertão fase 1960/1970. "Pra Ser Só Minha Mulher" era a minha predileta. O taxista Jacinto também gostava. Ele sempre me deixava um trocadinho após a execução dos versos "abra os braços pra me guardar, que eu todo vou me entregar, começo meio e fim e a minha cuca ruim". Nunca tinha percebido, mas me contaram que ele era homossexual.
Terminei meu showzinho no La Amores, onde Susy 5 trabalhava, e segui com a minha guitarra para mais uma caminhada noturna pelas ruas úmidas da cidade. De longe eu ouvia o barulho das ondas morrendo na praia. Ao sair, a voz rouca de Susy me interrompe:
- Garotão, às 7h30 no mesmo local? Eu respondi:
- Claro, café da manhã com um pouquinho de vodca, pode ser?
- Perfeito, assim já lavo a minha boca.
Depois da noitada, sempre tomava café da manhã com Susy. Eu era praticamente o seu psicólogo. Tínhamos transado algumas vezes, mas eu me sentia muito desconfortável. Não gostava de sentir o hálito de outras pessoas esvaindo de sua garganta. Paramos. Agora só conversamos.
7h30. Lá estava eu no Café Paris, uma espelunca que servia o melhor pão de broa da cidade. O lugar fedia queijo, mas o atendimento era ótimo. Peguei um guardanapo e esbocei uns versos. "Vai coração, voa em samba-canção um ritmo de azar, já que o amor é um estado perdido entre o destino e o concretizar". Não tinha muito sentido. Pensei em um sambinha. A métrica não fechava. Quando percebi, 8h15 marcava o relógio. Nem tinha percebido o falecimento dos minutos. Susy nunca se atrasava. No dia seguinte fiquei sabendo que ela tinha sido assassinada pelo taxista Jacinto. Malditos trocados.

quarta-feira, março 11, 2009

Dose. Taquicardia.

Falta uma dose de ousadia. Seja noite, seja dia. Ainda fica um ar meio covarde. Seja hoje, seja tarde. Uma outra vontade que persegue. Seja agora, seja breve. A alegria aparece quando consumo. Seja bosta, seja adubo. Mas é de fé o seguimento. Seja água, seja vento. O sentido é continuar o trajeto. Seja torto, seja reto. Eu quero descobrir o viver. Seja tudo, seja crer. Não quero encontrar um fim. Seja fígado, seja rim. É meio etílico, fazer o quê? Seja vodca, seja saquê. Está ficando meio chato. Seja não, seja fato. Não reclamo da falta. Seja baixa, seja alta. Claro que saudades eu sinto. Seja branco, seja tinto. Mudamos de assunto. Seja falso, seja adjunto. Às vezes fico meio cansado. Seja em pé, seja deitado. Perco a palavra certa. Seja alvo, seja seta. Acerto outro palmo. Seja errado, seja calmo. Tento arrancar o sério. Seja pouco, seja mistério. Confesso que não tenho o mal. Seja sincero, seja fatal. Só procuro aquele bem. Seja agora, seja além. Uma paz que todos querem encontrar. Seja rápido, seja devagar. Por isso às vezes me entrego. Seja tímido, seja ego. E o meu só também encanta. Seja dó, seja tanta. Basta então a ousadia. Seja dose, seja taquicardia.