Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

sábado, novembro 03, 2007

Bateu a saudade

Bateu uma saudade de não fazer nada. Aquela em que eu ficava olhando para o céu deitado no telhado. A noite sempre foi a minha melhor companhia. Bateu uma saudade quando você aparecia, do nada, do além, do sem avisar. Essas surpresas eram as melhores. Hoje em dia ninguém faz isso. Às vezes nublado se tornava, mas logo vinha o vento e jogava as nuvens em outras direções. Direções muitas que um dia tentamos seguir, mas opostos foram os caminhos.
Bateu uma saudade enorme das conversas, dos diálogos, dos prólogos e das teses. O mundo parecia conspirar quando menos analisávamos. As batalhas de frases eram incríveis. Até o Tarantino ficaria orgulhoso. Bateu simplesmente uma saudade de uma época que era única. Um período de preocupações incansáveis, de angústias incontroláveis, de momentos inexplicavéis, de sofrimentos mensuráveis. Bateu uma saudade da voz falando calmamente sobre sonhos de viajar pela América Latina. De conhecer a Patagônia, de viajar para a Colômbia, de explorar Santiago. A vida pede provas e quem ama dá, já tinha dito o compositor que você sempre citava e cantava. E naqueles momentos elas existiam. A conseqüência final foi o sentimento.
Bateu uma saudade. Abri um livro e caiu um poema. O amarelo já tinha tomado a página. Mesmo assim dava para ler. O texto falava justamente das lembranças, das boas saudades. Recordei o dia em que você o escreveu. Vinho na mesa, velas acesas, Chet Baker na vitrola. Um pedaço de sulfite, uma caneta Bic, uma inspiração. A noite quente entrando pela janela, a brisa do mar batendo no vidro e um cachorro latindo. A primeira frase veio em segundos, a segunda em seguida. A terceira arrebentou meus olhos e a quarta, o coração. Um cigarro foi acendido, mais um gole acrescido e uma mariposa se batia no abajur. A quinta frase veio mal pensada, recompensada pela seguinte, que falava sobre palpite. Um sorriso surgiu na seqüência, retribui com um piscar, o relógio marcou 3 horas e o Chet solava rompimento. Um criança apareceu na sétima. Os olhos se encheram de lágrimas, uma delas caiu na oitava, até hoje borrada. A nona rimou com dor e a décima feriu a infância. Mas na décima primeira o sol apareceu, na outra se pôs, na décima terceira amanheceu lindo e na última acabou a poesia. E agora bateu a saudade.