Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

segunda-feira, abril 07, 2008

O Jantar

Entro no carro e sigo até a Br 227. Alcanço 100 km/h. 120 km/h. 140 km/h. 160 km/h. Percorro pelo breu sem pensar em nada, ao som de Cardigans. Escuto um barulho e tenho a leve impressão que o causador do estrondo fui eu. Mas antes vamos voltar 40 minutos.
21h46. A mesa repleta de amigos, Oswaldo Montenegro no 3 em 1 antigo de Isabel. Inicia "A Lista", uma das canções que mais tocam o meu coração. "Faça uma lista de grandes amigos / Quem você mais via há dez anos atrás / Quantos você ainda vê todo dia / Quantos você já não encontra mais". Isso causa dor de saudosismo quando ouço. E ele continua, sabiamente. "Faça uma lista dos sonhos que tinha / Quantos você desistiu de sonhar / Quantos amores jurados pra sempre / Quantos você conseguiu preservar". Chega nesta parte e já tenho vontade de fugir. Mas, Oswaldo ainda segue mais profético. "Onde você ainda se reconhece / Na foto passada ou no espelho de agora? / Hoje é do jeito que achou que seria? / Quantos amigos você jogou fora? / Quantos mistérios que você sondava / Quantos você conseguiu entender? / Quantos segredos você guardava / Hoje são bobos ninguém quer saber / Quantas mentiras você condenava / Quantas você teve que cometer? / Quantos defeitos sanados com o tempo / Eram o melhor que havia em você? / Quantas canções que você não cantava / Hoje assobia pra sobreviver / Quantas pessoas que você amava / Hoje acredita que amam você?". Péssima música para ser acompanhada em um jantar, é a única conclusão que tenho no momento.
Engulo um vinho seco caríssimo que não faz a menor diferença. Observo ao redor e todos estão felizes com as suas camisas Lacoste, vestidos básicos da Prada e relógios de marcas impronunciáveis. E o velho Oswaldo na vitrola. Quanta dicotomia.
Olho para a minha amada e linda esposa que não se cansa de falar do mais recente livro daquela autora iraniana. Ou seria americana que morou no Irã? Não importa. O fato é que metade das asneiras balbuciadas era da crítica feita pela revista Bravo. Mas ela, por vezes, falava com tal dignidade que pareciam dela as frases de efeito. Cheguei até a acreditar que a querida tinha resenhado o livro, tamanha convicção em suas palavras. Bocejei uma enorme mentira me fazendo de interessado. Logo, Isabel, movendo os talheres como se fossem as baquetas na mão do Iggor Cavalera, quebra a pauta:
- E o mais recente do Caetano, quem curtiu? Não percebi o sarcasmo da mulher, já que não parava de observar os seus dedos que feliz me fizeram um dia.
- Bernardo, você que é tão observador, qual é a sua opinião sobre o disco do Câe? Percebi, então, que a pergunta vinha a mim.
- Olha - odeio quando começo as frases com "olha" - não ouvi com muita atenção a nova peripécia do baiano, mas acredito que a nova fase vivida está lhe fazendo bem. Achei ótimo ele ter terminado com a Paula, ela era muito ditadora, deixou o melhor de Caetano escorrer pelas trilhas sem açúcar do cinema brasileiro. Foi sensacional ele ter incluído guitarras mais pesadas no álbum, sem falar das saborosas letras que ainda sabe com primor compor. Adoro aquela em que ele fala sobre um velho tendo um caso com uma pessoa mais nova. Tão lírica!
Não tinha percebido, mas todo mundo ao redor da mesa ficou prestando atenção no que eu estava falando: asneiras que sempre são encontradas no Caderno G da Gazeta do Povo. Pus pela garganta mais um pouco do vinho seco e cortei um pedaço da alcatra. Josué, o mais novo da turma, me olha carinhosamente e diz:
- Nunca pensou em ser jornalista? Respondo:
- Caro amigo, todos sabem que críticas são feitas por pessoas e não conheço nenhum jornalista que seja humano. Foi aí que arrumei briga com metade dos presentes. Os que não eram jornalistas, eram publicitários, com exceção de Isabel, que era Pedagoga. Eu mesmo, bacharel em Jornalismo, mas empresário experimental por culpa do meu pai, proprietário de uma grande rede de transportes.
- Você não passa de um esnobe reprimido, querido Bernardo. Às vezes Josué é tão ridículo que chega a dar ânsia. Todos riem e eu faço uma cara de cu. Aliás, como é uma cara de cu? Sei lá.
* * *
O jantar estava ótimo. Isabel troca o disco do Oswaldo por um da banda Justice. Ela sempre foi metida a moderninha, mesmo sendo pedagoga. Nenhum preconceito, ressalvo, antes que mais pessoas venham a me chamar de esnobe reprimido. Ela estava com um vestido azul, meio solto. As pernas ficavam à mostra, revelando anos de malhação nas linhas das coxas e das panturrilhas. Seu cheiro continuava formidável. Lavanda com alguns tons de madeira. Não lembro a marca do perfume, mas continuava o mesmo de sete anos atrás.
- Alguém conhece esta dupla francesa? Perguntou.
- Sim, adoro aquela canção do clipe das camisetas. Eu disse.
- Ah, ela se chama D.A.N.C.E, também adoro. Respondeu Isabel com um sorriso de fazer a Monalisa parecer mesmo um auto-retrato de Da Vinci.
Já meio alta por causa do vinho, ela tira Glauco, seu atual e meu mais perfeito rival - mesmo sem saber - para dançar. Arrasta a mesa da sala para o canto e inicia um rebolado que me fez ir ao banheiro. Engulo mais um pouco, dessa vez seco, o agora vinho tinto que tinha sido aberto. Quando volto, todos estão a dançar. É por isso que continuo a acreditar no poder da música. Lindas pessoas de 30 anos mexendo os quadris graças a batidas eletrônicas.
Minha formosa esposa, calçando um Christian Louboutin, me devora com os olhos, implorando um roçar de coxas. Atendo o pedido e acabo derrubando um pouco de vinho no Prada da mulher. A vida, naquele momento, podia ter terminado para mim.
- Não acredito!
- Pode acreditar, seu Prada agora está mais delicioso. Não sei como consegui profanar uma idiotice tamanha.
- Você é tão sem noção, Bernardo!
- Calma, é só um Prada Gisele. Josué não devia ter dito aquilo. Ele consegue ser mais idiota em horas de perigo. Fico imaginando ele no período da Ditadura Militar.
* * * Continua em outro momento