Meu nome é Leonardo Silveira Handa. Jornalista. Perdido. Achado. Amante. Radialista.

terça-feira, janeiro 31, 2006

Um

Quem nunca se emocionou com uma canção do U2 que mova a primeira montanha que conseguir. Exageros à parte, a banda irlandesa é capaz de compor petardos capazes de derreter o gelo mais pré-histórico da Sibéria. O grupo de Bono Vox já prestou muitos favores ao pop com álbuns clássicos como "The Joshua Tree" e "Atchung Baby", disco que contém a pérola radiofônica chamada "One" ("Um", em tradução literal).
O pseudo-articulista político e defensor do terceiro mundo de plantão, Bono Vox, foi capaz de desenvolver em "One" uma das letras mais sentimentais sobre a desilusão de um grande amor. Tudo bem acompanhado da guitarra esperta do The Edge, um dos melhores compositores de riffs da história música pop.
Com a voz à flor da pele, em uma interpretação belamente sofrida, o vocalista esbraveja nos primeiros versos da canção citada: "Está melhorando/ Ou você se sente a mesma?/ Bem, as coisas vão ficar mais fáceis para você/ Agora que você tem alguém para culpar". A balada segue e Bono indaga: "Eu te desapontei?/ Ou deixei um gosto ruim em sua boca?/ Você age como se nunca tivesse tido amor/ E quer que eu continue sem nenhum". As dúvidas sobre a relação aumentam conforme os minutos vão passando e a pedra mais fundamental vai quebrando. É quando Bono tenta achar uma solução, se esgoelando nos versos: "Bem, é muito tarde/ Esta noite/ Para trazer o passado à tona/ Somos um/ Mas não somos os mesmos/ Temos que carregar um ao outro/ Carregar um ao outro".
Para quem rompeu recentemente um amor a dois e ouve essa música, se conseguiu ouvir até essa parte da canção e não demonstrou nenhum sentimento, então o aconselhável é procurar um cardiologista, pois coração não deve ter mais. Porém, não é apenas isso. O irlandês não desiste e solta a clássica frase: "Você veio aqui pelo perdão?". E continua a indagar a relação: "Você veio levantar os mortos?/ Você veio aqui bancar o Jesus para os leprosos que você inventa?/ Eu te pedi muito?/ Mais do que devia?/ Você não me deu nada/ Agora é tudo que eu tenho/ Somos um/Mas não somos os mesmos/ Ferimos um ao outro/ E estamos fazendo de novo".
As poucas respostas surgem aos poucos, exorcizando os demônios internos que cada um cria nos finais que vemos a cada santo dia. É então que ele tenta definir o indefinido, utilizando do comentário da paixão rompida, cantando: "Você diz/ O amor é um templo/ O amor é a lei suprema/ O amor é um templo/ Amor a lei suprema/ Você me pede para entrar/ E então você me faz rastejar/ E eu não posso continuar me agarrando ao que você tem/ Quando tudo que você tem é dor". A impressão que fica é que os personagens da canção, encarnados pelo vocalista, adoram colocar a culpa de um no outro. Algo extremamente normal no cotidiano amoroso de casais problemáticos que possuem uma relação com tempo já considerável. Se estivessem em começo de namoro e quisessem terminar, seria o contrário. Provavelmente eles diriam: "O problema não é você, sou eu".
Mas, voltando à canção, mesmo já sem fôlego, cansado, como um soldado que tem apertado no peito o fuzil do inimigo, Bono pede paz: "Uma vida/ Um com o outro/ Irmãs/ Irmãos/ Uma vida/ Mas não somos os mesmos/ Temos que carregar um ao outro/ Carregar um ao outro".
"One" é assim, capaz de causar arrepios em pêlos que você nem imaginava que tinha. Se a canção não te fez cócegas, então pode começar a mover a primeira montanha.